Crítica de arte quer ceder colecção de 200 obras ao Museu do Chiado em troca de publicação de obra escrita

Maria João Fernandes, ensaísta e poetisa, contactou Ministério da Cultura com a proposta.

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dro daniel rocha

A crítica de arte e poetisa Maria João Fernandes pretende ceder uma colecção com cerca de 200 obras de arte, reunidas ao longo de 40 anos, ao Museu Nacional de Arte Contemporânea (MNAC), em Lisboa, para que seja divulgada e salvaguardada.

Membro da Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA), ensaísta e poetisa, sob o pseudónimo Joana Lapa, tem actualmente em exposição cerca de 130 peças da colecção no Centro Cultural de Cascais, no distrito de Lisboa, onde pode ser vista até 3 de Janeiro, numa mostra intitulada Sonhos do Dia e da Noite.

Contactada pela agência Lusa sobre a colecção, Maria João Fernandes disse que tem a intenção de a ceder a um espaço cultural público, tendo feito já propostas a várias entidades, nomeadamente autarquias, e ao Ministério da Cultura, embora o projecto, do qual pretende contrapartidas para publicação da obra escrita, ainda não esteja formalizado.

“Estou a abrir caminho, e esta exposição é mais um passo nesse sentido”, disse a crítica de arte de 67 anos, colaboradora permanente do Jornal de Letras, e detentora de uma obra publicada na área da crítica de arte e poesia.

A cedência da colecção para uma entidade cultural pública “é um projecto antigo, e preferencialmente destinada ao Museu do Chiado, porque é dele a missão de salvaguardar e divulgar a arte contemporânea portuguesa”, precisou, acrescentando que teve recentemente uma reunião com assessores do Ministério da Cultura, para falar sobre esta intenção.

“O Museu do Chiado tem vindo a alargar as suas instalações, e seria bom que estivesse aberto a acolher colecções privadas de arte portuguesa, para que não se dispersem e desapareçam, como aconteceu a vários coleccionadores, como o crítico de arte e professor Rui Mário Gonçalves. Até podia ser criado um novo museu, mais amplo, que as pudesse abrigar, porque não existe actualmente, nenhum espaço com capacidade para o fazer”, avaliou.

No seu percurso, que remonta a 1975, Maria João Fernandes trabalhou com a Fundação de Serralves e o Museu de Arte Contemporânea do Porto, na sua origem, onde foi responsável por publicações, exposições e colóquios internacionais, e tem uma actividade docente em universidades de Lisboa e Évora.

Em 1998, Maria João Fernandes foi comissária da exposição que inaugurou a Fundação de Serralves, intitulada Vieira da Silva e Arpad Szénes nas Coleções Portuguesas, e também da exposição antológica da artista portuguesa em Madrid.

Nos anos 1980 foi leitora de Língua e Literatura portuguesas, na Universidade de Paris - Nanterre, e a sua bibliografia inclui títulos como Um Destino Solar e O Universo da Invenção, ambos dedicados a Julio/Saúl Dias, publicados pela Imprensa Nacional, Antoni Tàpies - Coleções Europeias, numa recolha feita para Serralves, em parceria com o crítico e historiador Fernando Pernes, fundador da entidade, e o catálogo José de Guimarães 1962-1992, dedicado à obra do artista plástico.

“Não é correcto dizer que sou uma coleccionadora porque apenas comprei talvez meia dúzia de obras de arte. Eu procurei ir ao encontro dos artistas através da minha escrita. A maioria das peças da minha colecção foram oferecidas pelos artistas sobre quem escrevi. Deram-me trabalhos extraordinários, e a minha colecção resulta desta generosidade”, fez questão de esclarecer.

Sublinhou que o acervo possui “obras únicas”, nomeadamente o primeiro trabalho da série O Rosto e os Frutos, da pintora Graça Morais, e um conjunto significativo de obras do artista plástico Cruzeiro Seixas.

Ana Hatherly, Carlos Calvet, Carlos Carreiro, Carmo Pólvora, Chichorro, Cristina Valadas, Dorindo Carvalho, E.M. Melo e Castro, Eduardo Nery, Emerenciano, Emília Nadal, Francisco Simões, Guilherme Parente, Gracinda Candeias, João Vieira, Manuel Cargaleiro, Manuel Viana, Mário Dionísio, Moniz Pereira, Noronha da Costa, Rocha Pinto são alguns dos artistas representados na colecção.

Questionada sobre as condições sob as quais pretende ceder a colecção, Maria João Fernandes disse que tem estado a “lutar também pelo reconhecimento da obra” pessoal, escrita, e de “um percurso extremamente independente”, por isso, pretende “reclamar a publicação” dos seus trabalhos ainda não editados.

Indicou que, nesta área, também já propôs à Imprensa Nacional a publicação do livro Universos Femininos, uma obra para reunir tudo o que já escreveu sobre artistas mulheres, portuguesas e estrangeiras.

A vontade de divulgar a arte portuguesa começou com a inspiração da vida e obra do bisavô, o arquitecto Francisco Augusto da Silva Rocha, que considera ter realizado “o trabalho mais significativo da Arte Nova portuguesa”, desencadeando uma paixão que a levou a coleccionar a iconografia, nomeadamente em postais e partituras.

Maria João Fernandes diz que está “em diálogo” com o Ministério da Cultura para dar vida ao seu projecto, e disse à Lusa que a tutela “está interessada nessa cedência” da colecção com mais de 200 peças desde pintura, mas também obras em papel, pequenos formatos e obra gráfica.

Contactado pela Lusa, o gabinete de imprensa do Ministério da Cultura confirmou que teve uma reunião com a crítica de arte, mas não adiantou mais pormenores sobre esta proposta de intenções apresentada pela autora.

Já a directora do MNAC, Emília Ferreira, ainda não conhecia a proposta da crítica de arte. “Não sabia desta intenção da Maria João Fernandes, e será importante perceber quais os contornos dessa potencial doação. À partida, é uma boa notícia, mas prefiro aguardar, para poder comentar com pertinência”, disse Emília Ferreira, contactada pelo PÚBLICO para comentar a doação. 

“Os meus grandes objectivos são, essencialmente, publicar a minha obra, que ainda está dispersa, e é vastíssima, que é preciso reunir tematicamente, pois reflecte uma visão da arte contemporânea que importa preservar, como esta colecção de arte, a bem da cultura portuguesa”, argumentou a escritora.

Sonhos do Dia e da Noite, título da exposição patente em Cascais, era o título previsto para a primeira colectânea dos textos de crítica de Maria João Fernandes, cuja publicação não chegou a realizar-se.

No catálogo, o presidente da Associação Espanhola de Críticos de Arte/AICA Espanha, Tomás Paredes, fala num “riquíssimo caudal criativo” na obra de Maria João Fernandes, e considera que a colecção da crítica, curadora e poetisa “exala humanidade, proximidade”.

“Vejo esta colecção como um livro mágico, magno, cheio de profundos saberes e de beleza, que deve estar numa estante acessível a qualquer homem ou mulher que dele necessite”, refere, num texto assinado.

Também Salvato Teles de Menezes, presidente da Fundação D. Luís I, no mesmo documento, afirma: “Esta apresentação pública da sua colecção, que se segue às da Biblioteca Nacional de Portugal e do Museu Municipal de Coimbra em 2014/2015, poderá potenciar o seu encaminhamento para um museu onde seja preservada, dando aos vindouros um testemunho da palavra que está na sua origem”.

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