Mais de cem mil pessoas nas ruas pelo direito ao aborto e contra o Governo polaco

Foi a manifestação com maior número de participantes desde que os protestos começaram na Polónia há nove dias. Presidente Andrzej Duda admitiu lei que permitisse aborto em alguns casos de malformação do feto, mas não convenceu os manifestantes.

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Protesto em Varsóvia contra a proibição do aborto Reuters/KACPER PEMPEL
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"Deus é uma mulher, e está bastante zangada", lê-se num dos cartazes Reuters/KACPER PEMPEL
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EPA/RADEK PIETRUSZKA POLAND OUT

Mais de cem mil pessoas saíram às ruas da capital da Polónia, Varsóvia, na sexta-feira, para protestar contra a decisão do Tribunal Constitucional, que na semana passada considerou inconstitucional o aborto em casos de malformação do feto, uma decisão que pode tornar a interrupção da gravidez praticamente impossível no país.

As manifestações, que duram há nove dias consecutivos, tornaram-se também um foco de contestação ao Governo ultraconservador do Partido Lei e Justiça (PiS), que desde que chegou ao poder em 2015 tem tentado restringir ainda mais as leis do aborto, num dos países da Europa com a legislação mais rígida neste assunto.

Em Varsóvia, os manifestantes desafiaram as restrições impostas pelo Governo para combater a pandemia de covid-19 – os ajuntamentos com mais de cinco pessoas estão proibidos - e as ameaças das autoridades, que prometeram uma resposta mais dura, e nas ruas ouviram-se palavras de ordem - “eu penso, eu sinto, eu decido” ou “Deus é uma mulher” - a favor do aborto e contra o Governo.

“Estamos preparadas para lutar até ao fim”, garantiu Marta Lempart, do movimento Greve das Mulheres, que tem liderado os protestos e exigido a demissão do Governo, tendo organizado na passada quarta-feira uma greve geral.

Os protestos, que não dão sinal de abrandar, tendo na sexta-feira sido registado o maior número de participantes, começaram no passado dia 22 de Outubro, depois de o Tribunal Constitucional polaco, cuja maioria dos juízes foi nomeada pelo PiS, ter considerado inconstitucional o aborto em situações de malformação do feto, situação em que ocorre a grande maioria das interrupções voluntárias da gravidez na Polónia.

A proibição ainda não entrou em vigor, mas, a confirmar-se, fará com que o aborto na Polónia apenas seja possível em casos de violação, incesto ou ameaça à saúde da mãe. Até agora, entre 96% a 98% dos abortos legais no país acontecem em situações de malformação do feto.

Numa tentativa de apaziguar o movimento de protesto nas ruas, o Presidente polaco Andrzej Duda apresentou uma “solução legislativa” em que a interrupção da gravidez pudesse ser possível em casos de anomalias fetais com uma alta probabilidade de levarem à morte da criança.

No entanto, a proposta apresentada por Duda fez pouco para conter os manifestantes, que dias antes ouviram críticas por parte do Governo, inclusive do primeiro-ministro, Mateusz Morawiecki, e de Jaroslaw Kaczynski, considerado o líder de facto do PiS, que acusou os manifestantes de quererem “destruir a Polónia” e de serem responsáveis pelo aumento de casos de coronavírus no país. 

Desde que chegou ao poder há cinco anos, o PiS tem defendido a necessidade de aprofundar os valores patrióticos e católicos da Polónia, tendo levado a cabo uma reforma no sistema judicial e um ataque à comunidade LGBT, acções que têm suscitado grandes críticas da União Europeia.

A Igreja Católica, que tem uma enorme importância no país e é uma aliada do Governo, nos últimos dias tem sido também um alvo dos protestos. Pela primeira vez, missas foram interrompidas em protesto e fachadas de igrejas foram vandalizadas.

Apesar de os protestos estarem a ser maioritariamente pacíficos, já se verificou alguma violência, sobretudo a envolver militantes de extrema-direita, que apoiam a decisão do Tribunal Constitucional e têm saído às ruas em contramanifestações, embora em pequenos grupos.

Na sexta-feira, relata o The Guardian, as autoridades polacas fizeram várias detenções em Varsóvia, depois de um grupo de nacionalistas vestidos de preto ter-se envolvido em confrontos com a polícia, quando tentava atacar manifestantes a favor do aborto. Foram apreendidas facas e bastões.

O envolvimento da extrema-direita tem sido encarado como um alinhamento com a Igreja Católica e o Governo. Jaroslaw Kaczynski, vice-primeiro-ministro polaco, chegou mesmo a apelar aos polacos para “defenderem as igrejas”, no que foi interpretado como uma autorização para que militantes nacionalistas se apresentassem como vigilantes dos locais de culto. 

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