Uma visita inusitada à Adega Luís Pato

Em 2017, a leitora Ana Vargas Santos fez um roteiro vínico por Portugal. Na Bairrada, a experiência foi marcante.

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ADRIANO MIRANDA

No Outono de 2017, decidimos fazer um roteiro vínico por Portugal. Começaríamos em Melgaço e terminaríamos na Bairrada, pelo caminho descobrindo algumas das melhores adegas de cada região. A nossa última paragem, na Curia, colocava-nos a poucos quilómetros da Adega Luís Pato. Não queríamos perder a oportunidade de a incluir no nosso percurso, pelo que tratámos de agendar uma visita. O telefonema foi curto e focado no essencial – se queríamos visitar a adega, só tínhamos que aparecer antes das 18h. 

Às 17h dirigimo-nos ao edifício principal, tocámos à campainha, e dissemos que vínhamos para a visita, o que muito surpreendeu o nosso interlocutor, que nos informou que tinham acabado de fechar. Estávamos ainda a processar a informação quando de repente passou um carro e o condutor gritou algo que não percebemos, mas que foi suficiente para fazer o nosso anfitrião mudar de ideias. Novamente atrapalhado, disse-nos: “Bom, o engenheiro Luís Pato diz que já volta e que será ele a fazer a prova convosco, por isso pedimos apenas que aguardem um pouco; enquanto isso, vamos fazer-vos uma breve introdução à região da Bairrada e à casta Baga.”

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Ana Vargas Santos

Ainda sem acreditar na nossa sorte, alguns minutos depois vimos chegar aquele a que alguém chamou “a rebel with an excellent cause” (designação, aliás, exibida com orgulho na recepção da adega) e que muitos conhecem como o Senhor Baga, embaixador indiscutível da mal-amada casta em Portugal e no mundo. A rebeldia corre-lhe no sangue desde cedo: formado em Engenharia Química, iniciou-se na enologia contra a vontade do pai, que achava que um Químico iria fazer vinho sem uvas.

Para contrariar também essa ideia, durante toda a carreira procurou recorrer o menos possível a processos químicos na produção do seu vinho. Mas nem por isso deixou de questionar os mais inabaláveis dogmas: no seu vastíssimo portefólio, não resistiu a incluir um anti-Porto e uma colheita antecipada. Está sempre à procura da próxima inovação, mas confessa alguma impaciência para “isto dos criativos” – é que “precisam de muito tempo e esquecem-se de que é preciso vender”.

Com 70 anos, Luís Pato não tinha tempo a perder: viajava quatro meses por ano e exportava os seus vinhos para dezenas de países (uma lista que recitou de cor, e que esperava ainda vir a alargar). Como se pode imaginar pela natureza avassaladora e inesperada da experiência, não tivemos durante a prova oportunidade de tomar notas detalhadas sobre cada vinho. Na mala do carro trouxemos uma garrafa de Informal, um espumante rosé feito com Baga de uma só vinha, com um forte sabor a framboesas. 

Três anos (e uma pandemia) depois, não podemos deixar de imaginar como seria hoje esta experiência: ter-nos-iam recebido com a mesma simplicidade nas decisões e nos gestos? Teríamos tido oportunidade de ter uma prova narrada (e apimentada) pelo próprio Luís Pato? Brindemos, pois, aos rebeldes deste país, e que saibamos todos, hoje mais do que nunca, questionar o que sempre se fez. 
 
Ana Vargas Santos 
 

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