Compromisso de honra e vias sem fiscalização abrem caminho entre concelhos no Grande Porto

Nem todas as saídas e entradas estão a ser fiscalizadas. Forças de segurança dizem que acção é sobretudo pedagógica. Já quem se desloca de camioneta pode ter de esperar dias até poder viajar.

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Paulo Pimenta
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Vestido com roupa de trabalho (calças e casaco com reflectores), um automobilista é parado pela Divisão de Trânsito do Comando Distrital da PSP do Porto na rotunda da AEP, à entrada para Matosinhos. Passam poucos minutos das 7h e, como é habitual naquela zona a um dia da semana, o trânsito vai entupindo a via de saída para os concelhos mais a Norte do Porto. Porém, nesta sexta-feira, 30 de Outubro, o volume de tráfego parado é maior. Desde a meia-noite, ainda que com várias excepções, há indicações para proibir deslocações entre concelhos

Mas no sentido contrário não há pára-arranca. Quem chega de Matosinhos pela A28 tampouco tem a necessidade de pousar o pé no travão porque o tráfego flui sem problemas de maior — e também porque não há operação stop montada para quem chega de Matosinhos e quer entrar no Porto.

Encostado à berma, o mesmo automobilista — porque conduzia no sentido onde o dispositivo policial foi montado — foi abordado por um agente da divisão de trânsito. Perguntam-lhe para onde vai. Diz seguir para o local de trabalho, mas não tem na sua posse um documento passado pela entidade patronal a comprová-lo. Palavra dada, compromisso de honra feito, segue com um aviso do agente: “A partir de amanhã tente andar com uma declaração.”  

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Enquanto era abordado por um dos cerca de dez agentes que ali estavam, outras viaturas passavam sem obrigação de parar — o processo é feito de forma aleatória. Já ambulâncias e viaturas de pesados de mercadorias e de passageiros passam sem ter de encostar na berma.  

Uma hora depois, mais perto do mar, na praça Gonçalves Zarco (ou, para os portuenses, na rotunda do Castelo do Queijo), são vários os carros que também vão encostando a pedido da polícia. Mas neste ponto da operação, a paragem é ao contrário. Se na rotunda da AEP a fiscalização estava a ser feita na saída do Porto para Matosinhos, aqui faz-se no sentido Matosinhos - Porto. Ao mesmo tempo que muitos dos automóveis que chegam do concelho mais a Norte param ao sinal da divisão de trânsito, quem vem da Foz pode continuar a seguir pela marginal e entrar na cidade vizinha.

A acompanhar a operação de fiscalização, o comissário António Antunes admite dificuldades para executar o plano de forma eficaz, sobretudo pelo número de excepções existentes à proibição de atravessar as fronteiras do município de residência. Pode circular entre municípios quem o fizer para ter ou dar aulas, trabalhar, prestar cuidados de saúde, levar menores a um estabelecimento de ensino ou turistas, mas apenas para seguirem para os alojamentos em que vão ficar instalados. Para justificar a travessia entre concelhos pode apresentar-se um documento que valide essa necessidade ou através de compromisso de honra.

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Acessos sem fiscalização

Além das excepções à proibição, são vários os acessos entre concelhos sem fiscalização. Há sempre forma de atravessar para outro município fugindo ao controlo da polícia.

Em que situação pode, então, alguém ficar inibido de atravessar para o município vizinho? Em teoria, todos aqueles que não tenham em agenda qualquer um dos compromissos que constam da lista de excepções. Porém, a possibilidade de atestar a veracidade dos factos através do compromisso de honra deixa as forças policiais de mãos atadas. Diz o comissário ser, por isso, função da divisão de trânsito, durante esta operação que termina na terça-feira, actuar “na base da sensibilização”, sem pôr em causa as “actividades diárias” inadiáveis dos cidadãos. Sendo possível detectar quem infrinja as regras, o procedimento é voltar a encaminhar o infractor para o concelho de residência, adianta, admitindo não ser fácil monitorizar o cumprimento da penalização. 

O PÚBLICO quis saber junto do comissário presente nestes dois pontos de fiscalização qual a forma mais eficaz para garantir o sucesso da operação, tendo em conta as limitações existentes. António Antunes passou a bola ao porta-voz da instituição, de quem se aguarda resposta.

Nesta missão essencialmente pedagógica, as forças de segurança vão também chamando à atenção para o cumprimento da taxa de ocupação dos veículos. Numa carrinha que parou na praça Gonçalves Zarco, a lotação ultrapassa o permitido — mais de dois terços da capacidade está ocupada. Duas pessoas são obrigadas a sair da viatura e continuam a viagem a pé. Os outros seguem na carrinha para cumprir o horário de trabalho.

Retida no terminal

Sem hipótese de viajar para um concelho mais distante ficou Elaine Carvalho, que se dirigiu ao terminal rodoviário do Campo 24 de Agosto para apanhar uma camioneta que a levasse de volta a Leiria. É a única pessoa que, a meio da manhã, está no terminal, de mala feita, pronta a viajar. Na bilheteira informaram-na do cancelamento de todas as viagens da Rede Expressos para fora do distrito — a empresa já tinha anunciado há três dias, na sequência da resolução do Conselho de Ministros de 26 de Outubro, cancelar todos os serviços entre a meia-noite de sexta-feira e as 6h de terça-feira.

Após estadia, durante alguns dias, no Porto para “tratar de burocracia” no consulado do Brasil, regressaria nesta sexta-feira a casa. A funcionária do balcão diz-lhe que, até terça-feira, não há autocarros. 

Elaine Carvalho diz ao PÚBLICO ter conseguido resolver o problema que a levou ao consulado, no Porto. Na hora de regresso, surge-lhe outra complicação: “Não tenho onde ficar e na segunda-feira de manhã tenho de trabalhar.”

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