“Nós acreditamos no que os condutores dizem”. PSP confia, no primeiro dia de controlo entre concelhos

Nesta sexta-feira, o primeiro dia de fiscalização à circulação entre concelhos, uma dezena de elementos da divisão de trânsito da PSP aproveitaram para fazer uma operação de fiscalização rodoviária, como se de tempos “normais” se tratassem.

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Rui Gaudêncio
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“Fique em casa.” O conselho está fixado num carro da polícia à entrada do tabuleiro da Ponte 25 de Abril, em Lisboa, e a ordem para os próximos dias, já se sabe, é essa mesma: reduzir as saídas, manter-se na área de residência para tentar conter o agravamento da situação pandémica, que atingiu esta sexta-feira novos máximos: mais 40 mortes e 4656 casos de infecção em Portugal. Por volta das 16h15, a Divisão de Trânsito da PSP de Lisboa voltou a montar o dispositivo que erguera de madrugada. Cortou duas das três vias de trânsito no sentido Norte-Sul, pôs agentes a pedirem aos automobilistas para encostarem as viaturas.

Tiago é um dos condutores mandados parar pela polícia. Pedem-lhe a identificação, os documentos da viatura e interpelam-no sobre o motivo que o leva a atravessar a ponte em direcção a Sul, quando há restrições à circulação em vigor desde a meia-noite desta sexta-feira. O homem justifica que vai buscar os filhos à casa da mãe deles, em Sesimbra, e que com ele passarão o fim-de-semana, na capital. Esta foi uma justificação que ficou de fora da lista às excepções das restrições publicada pelo Governo, mas que a PSP e a GNR vieram depois confirmar não estar sujeita a limitações: os filhos de pais divorciados e que fazem parte da custódia partilhada podem, afinal, deslocar-se entre concelhos entre os dias 30 de Outubro e 3 de Novembro.

Ponte 25 de Abril Rui Gaudêncio
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Ponte 25 de Abril Rui Gaudêncio

A demora na clarificação sobre se era ou não uma situação excepcional não o pôs em alvoroço. “Acho que as coisas têm de ser feitas com bom senso, tanto pela polícia, como pela população”, comenta antes de seguir caminho. “Se isto tem de ser feito, tem de ser feito.” 

Apesar de esta ser uma acção de sensibilização relacionada com a covid-19, motivada pela preocupante evolução da pandemia no país, a PSP aproveitou para levar a cabo uma operação de fiscalização rodoviária, como se de tempos “normais” se tratassem. Pedem aos condutores a identificação, os documentos da viatura, sobretudo a automóveis ligeiros e motas — mas a escolha dos veículos é “aleatória”, dizem os agentes — como o seguro ou o IUC que, em alguns casos, não estão em dia e, por isso, são autuados e forçados a aguardar por ali mais tempo. 

Logo a seguir vem a questão: “Qual a razão da sua deslocação?” Àquela hora da tarde, a justificação repete-se: o regresso a casa na margem sul depois de um dia de trabalho ou de aulas.

Um carro que seguia com três jovens amigos que tinham ido prestar provas ao centro de recrutamento da Força Aérea foi mandado parar. Regressavam às suas casas, no Barreiro, mas não se livraram de ouvir uma reprimenda da agente: “Não deviam ir todos no mesmo carro [porque não são família nem co-habitantes]. Isto não se pode repetir.”

Mónica Oliveira saiu do trabalho, na zona do Campo Pequeno, e dirigia-se de mota para Corroios, onde vive. Pergunta à agente se quer ver a declaração, assinada pela entidade patronal. Não foi necessário, o motivo era mais do que válido. “Eu gosto de respeitar as coisas. É para o bem de todos”, diz a condutora. 

Em muitos casos, não foi pedida qualquer declaração que atestasse o motivo da viagem. Bastou a palavra dos condutores que, mal param o carro, colocam logo a máscara no rosto e acenam com a declaração da entidade patronal que atesta a necessidade da deslocação.

Ao PÚBLICO, a subcomissário Cátia Brás insiste que a PSP não está ali para “criar obstáculos” à deslocação da população, mas sim numa lógica de “sensibilização”, confiando nas justificações dadas pelos condutores. “Os condutores podem prestar uma declaração sob compromisso de honra e dizer o motivo que os leva a circular. Nós acreditamos no que os condutores dizem. É uma questão de bom senso e apelamos a todos os condutores para colaborarem com a PSP”, diz a subcomissário.

Com o adiantar da hora, o trânsito intensificara-se, mas não havia ainda grandes sinais de impaciência por parte dos condutores. João Pedro, que tem uma empresa de construção civil, saíra de uma obra em São Pedro do Estoril em direcção à sua casa no Feijó. E sempre em fila. Mal pára, aproveita para tirar umas dúvidas com os agentes: “Na segunda posso circular para ir trabalhar, não posso?” Respondem-lhe que sim, mas que deve circular com a declaração. João Pedro diz que já as fez para os funcionários, mas como é o patrão não sabia o que fazer.

Já esperava a confusão, admite, porque passara pelo mesmo no fim-de-semana da Páscoa, em que as deslocações entre concelhos estiveram também condicionadas. E a acção, mesmo apesar da demora nas filas de trânsito, é necessária, admite: “Nas condições em que isto está, eu até concordo.”

Apesar de não exigirem ver uma declaração em grande parte das situações, os agentes apelam a que os condutores se façam acompanhar por ela. “Faça-se acompanhar pela declaração. Não se esqueça de cumprir nas indicações da DGS”, aconselham.

Por ali, o papel das autoridades é, essencialmente, “pedagógico”, resume a sub-comissário. E é isso que justifica o facto de, nas primeiras três horas da acção de fiscalização, nenhum automobilista ter sido mandado para trás. “Infelizmente a pandemia já dura há alguns meses e os condutores e os cidadãos estão mais conscientes e mais sensibilizados de que têm de ter as declarações e um motivo válido [para as deslocações]”, nota Cátia Brás. Por ali, os grandes problemas levantados foram mesmo as infracções ao Código da Estrada. 

Pouco preocupado — e curiosamente também pouco surpreendido com a fiscalização — segue o francês Vouga com mais dois amigos. Saíram da Normandia, em França, que esta sexta-feira iniciou um novo confinamento nacional. Na noite de sexta-feira, pernoitarão na margem sul, mas têm como destino o “soalheiro” Algarve. Depois de ver os documentos da viatura, o agente deseja-lhes uma boa estada. Os “turistas estrangeiros, bem como os cidadãos nacionais residentes nas regiões autónomas e fora de Portugal” que se desloquem para empreendimentos turísticos e alojamento local também podem circular sem restrições nos próximos dias — não podem mudar de concelho para outros fins. As acções de fiscalização vão continuar até à madrugada de terça-feira.

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