Covid e Chega: o inimaginável acontece

Devemos estar atentos: os Açores podem ser o laboratório político para uma futura alternância de poder na República.

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A França vai entrar em novo lockdown, parcial. As escolas continuam abertas. Angela Merkel anunciou o fecho de restaurantes e bares na Alemanha. Ursula von der Leyen veio dizer aos europeus que se preparem “para um Natal diferente”. Depois do cancelamento da Páscoa e da interdição de viajar no próximo fim-de-semana, “proibir” o Natal é algo inimaginável, mas pode acontecer. Infelizmente, vivemos tempos em que tudo, mesmo o inimaginável, pode acontecer.

A incerteza é dramática. Portugal bateu na quarta-feira mais uma vez um recorde de número de infectados por SARS-CoV2. Os números mais recentes não foram vistos na primeira vaga. O Governo prepara novas medidas e lutará ao máximo – como o fez na primeira vaga – para não declarar o Estado de emergência. Dificilmente Costa fará como Merkel e fechará os restaurantes: se o fizer, estará a rebentar de vez com um sector essencial à economia do país que foi bastante fustigado com o primeiro confinamento. Mas não sabemos. Ninguém sabe muito sobre como pode evoluir a pandemia até ser encontrada uma vacina.

É este o quadro que torna difícil fazer os portugueses entender que só não se deu uma crise política porque duas deputadas não inscritas não o quiseram. O Bloco de Esquerda vai ter muito trabalho a explicar o voto contra, porque, independentemente das suas razões, o foco das pessoas comuns está neste momento na crise sanitária, em como conseguir evitar a doença, proteger os mais velhos e manter o emprego. O Governo não pode cair – agora. A violência com que Ana Catarina Mendes se dirigiu ontem ao Bloco de Esquerda mostra que os socialistas sabem que, para já, a opinião pública está do seu lado. Ninguém quer ficar sem governo, ou com o Governo a meio-gás, quando a preocupação das pessoas está centrada num objectivo essencial: como não ficar doente nem contaminar os seus próximos.

Enquanto se discutia o Orçamento do Estado “lá fora” [é a expressão com que os açorianos se referem ao continente], os Açores tiveram eleições para a Assembleia Legislativa Regional. O declínio do PS, ao fim de 24 anos, não é surpreendente – e mesmo assim foi o partido mais votado. A longa gestão do PSD “só” durou 20 anos. A dúvida, agora, é se o PSD consegue apoio parlamentar para governar como Costa conseguiu em 2015, com o apoio de uma maioria de direita, incluindo dos dois deputados que o Chega conseguiu eleger. Este é o facto político mais relevante dos últimos dias, enquanto o PCP desaparecia da assembleia regional. A reconfiguração à direita, com a chegada em força da extrema-direita – mas também com a Iniciativa Liberal a entrar no novo Parlamento –, é um facto totalmente novo numa região onde há pouco mais de 20 anos o PSD era absoluto e o CDS residual. Devemos estar atentos: os Açores podem ser o laboratório político para uma futura alternância de poder na República.

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