Zonamento Inclusivo para habitação social e acessível

A mudança de um modelo de produção de habitação social em larga escala, para um modelo de produção de habitação social e acessível mais inclusivo, em que se misturam diferentes tipos e regimes de habitação, produz melhor cidade e uma cidade que resiste ao teste do tempo.

O Plano de Recuperação e Resiliência permitirá o “maior investimento de sempre na habitação”: 4378 milhões. Estas são boas notícias num país com um número demasiado elevado de famílias que vivem em condições habitacionais indignas. Todavia, simultaneamente sabemos que passados dois anos do lançamento do programa 1.º Direito, só cerca de metade dos municípios elegíveis submeteram uma candidatura ao programa. E que destes menos de 10% têm as estratégias locais de habitação que darão acesso a financiamento nacional a fundo perdido ou com juros bonificados.

Enquanto se prepara o novo quadro de financiamento comunitário, é consensual a necessidade de ‘não deitar dinheiro sobre os problemas’, mas antes exigir-se que sejam definidas estratégias de longo prazo. O objetivo deste texto é precisamente o de sublinhar a necessidade de uma melhor articulação entre políticas de habitação, de planeamento e de gestão urbanística. Dois acontecimentos justificam esta reflexão.

Por um lado, a nível nacional, a regulamentação da Lei de Bases da Habitação que prevê, no seu artigo 22º, que os municípios com declaração de carência habitacional possam realizar uma Carta Municipal de Habitação, que pode condicionar as operações urbanísticas privadas ao cumprimento das metas habitacionais para habitação permanente e a custos controlados.

Por outro lado, a nível local, no documento Grandes Opções do Plano 2019-2022 para a cidade de Lisboa, o município compromete-se a, na revisão do Plano Diretor Municipal, “aprovar alterações faseadas aos instrumentos de gestão territorial que contemplem uma percentagem mínima de 25% do edificado, nas novas construções ou operações de reabilitação, destinada a habitação a custos controlados” (p. 9).

Também no Porto, a revisão do novo Plano Diretor Municipal introduz dois instrumentos para a promoção de habitação social e acessível: i) o ‘zonamento inclusivo’ que prevê que as operações urbanísticas com uma área de edificação relevante situadas no centro da cidade destinem uma percentagem da sua área para habitação acessível; e ii) o da densificação estratégica que prevê a majoração dos índices de edificação para a construção de habitação acessível ou social.

Note-se, com estranheza, que o novo PDM propõe que o zonamento inclusivo seja aplicado apenas ao centro da cidade do Porto, excluindo freguesias menos centrais (nas áreas de frente de rio, ou nas de conversão de solo rústico em solo urbano) que geram importantes mais-valias urbanísticas que poderiam ser usadas para apoiar a construção de habitação social e acessível. Contudo, esta é uma medida importante para relançar o debate sobre o papel das políticas de planeamento e gestão urbanística para a provisão de habitação social e acessível.

Ora, tendo estado envolvida nos últimos anos na análise comparada de instrumentos de planeamento urbano para a provisão de habitação social e acessível em várias capitais europeias, gostaria de identificar alguns pontos e tendências internacionais sobre o tema.

Primeiro, o papel do governo central na criação de instrumentos de planeamento do território para a provisão de habitação social e acessível.

Na Inglaterra, desde os anos 1990 que o artigo 106 da Lei de Planeamento Urbano (Town and Country Planning Act) prevê contribuições financeiras e em espécie para a provisão de habitação social e acessível em operações conduzidas pelo mercado. Em Londres, onde existe uma autoridade metropolitana diretamente eleita (constituída por uma Assembleia Municipal e pelo Mayor) as operações urbanísticas com um número igual ou superior a 10 fogos ou 1000 m2 de área bruta de construção e/ou de reabilitação têm de fazer contribuições para habitação social ou acessível. Isto significa que o promotor, conforme as situações, deverá vender terreno ou fogos a preço económico a associações públicas ou privadas sem fins lucrativos.

Estas associações, para além de beneficiarem de solo ou fogos vendidos a preço de desconto, dispõem ainda de apoios do Mayor para a construção ou compra desta habitação. Os promotores são obrigados a fazer contribuição para habitação social e acessível em troca da emissão de alvarás de loteamento e /ou de alvarás para construção ou reabilitação de edifícios, sendo esta uma medida de implementação obrigatória em toda a área metropolitana de Londres. A ambição do Mayor é que a habitação social e acessível seja construída on-site (no mesmo empreendimento) e que seja tenure blind, isto é, com a mesma aparência da restante habitação do empreendimento, para evitar a desvalorização dos imóveis. Só em casos excecionais é autorizada a construção noutras áreas ou um pagamento em dinheiro.

Esta mesma política e prática de planeamento tem sido aplicada ao longo dos últimos anos em Copenhaga, através da chamada regra dos 25%, que define a obrigação dos promotores disponibilizarem, em cada nova operação urbanística, solo ou habitação a preço económico para que seja gerida por associações de habitação sem fins lucrativos.

Também em Viena, esta medida foi introduzida no Plano Diretor Municipal em 2019, criando o município uma nova categoria de uso do solo referente a habitação subsidiada. Em áreas de zonamento de solo para habitação social, metade das habitações (em termos de volume de construção) devem ser destinadas a habitação subsidiada que é construída de acordo com o regime de subsídios da cidade que limita os preços do solo e os valores das rendas.

Em todas estas cidades verifica-se que as obrigações de planeamento para a provisão de habitação social e acessível são, em certa medida, o resultado do reconhecimento de que:

  1. O sistema de licenciamento, por via dos planos e das licenças de loteamento e de construção, é gerador de mais-valias urbanísticas;
  2. As mais-valias podem ser tributadas ao nível do planeamento, em vez de em sede de fiscalidade;
  3. O planeamento e ordenamento do território deve ter um papel fundamental na criação de uma bolsa de terrenos e de fogos que respondam a necessidades de habitação da população com rendimentos médios e baixos;
  4. Esta habitação deve ser providenciada de uma forma integrada em cada nova operação urbanística, de forma a evitar processos de segregação residencial.

Termino referindo que a mudança de um modelo de produção de habitação social em larga escala, para um modelo de produção de habitação social e acessível mais inclusivo, em que se misturam diferentes tipos e regimes de habitação, produz melhor cidade e uma cidade que resiste ao teste do tempo.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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