Cinco anos após o último suspiro da sonda File, é desvendado o mistério que faltava

Finalmente, a Agência Espacial Europeia identificou o segundo local de aterragem (em Novembro de 2014) da sonda File no cometa 67P/Churiumov-Gerasimenko. Devido a falhas técnicas, a File ressaltou duas vezes, aterrando em três pontos distintos – o segundo permanecia desconhecido.

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Cometa 67P/Churiumov-Gerasimenko ESA

Por volta das 16h (hora de Lisboa) de 12 de Novembro de 2014, o sinal de aterragem da pequena sonda File no cometa 67P/Churiumov-Gerasimenko chegava à Terra. A emoção era muita para a Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês), que, passados dez anos desde a partida da Terra da missão Roseta, fazia história com a primeira aterragem de sempre num cometa. Nem tudo correu como esperado e a sonda sofreu dois ressaltos, fazendo assim três aterragens, acabando por ir pousar numa fenda escura. Até hoje, nada se sabia sobre o segundo ponto de aterragem, porém um estudo liderado pela ESA não só o identificou como um lugar que faz lembrar o formato de um crânio como revelou alguns segredos sobre a composição do interior do cometa.

A sonda Roseta, uma “caixa” de 12 metros cúbicos com três toneladas, foi lançada a 2 de Março de 2004 pelo foguetão Ariane 5, com o objectivo de estudar bem de perto, pela primeira vez, um cometa. Com ela, foi transportava uma sonda mais pequena, a File, com apenas um metro cúbico e 100 quilos, que viria a pousar no cometa identificado em 1969 pelos astrónomos soviéticos Klim Churiumov e Svetlana Gerasimenko e que, por isso, foi baptizado com os seus nomes – o 67P/Churiumov-Gerasimenko.

Em Junho de 2011, para poupar energia, a Roseta foi colocada em hibernação, com a ESA a desligar a maior parte dos seus sistemas, e assim permaneceu até ao início de 2014 – ano da chegada ao destino final. A 6 de Agosto e 2014 a sonda alcançou a órbita do 67P em torno do Sol, ficando a uma distância de apenas 100 quilómetros do cometa. Se até então, com os instrumentos da Terra, o corpo celeste de 10.000 milhões de toneladas, aparentava ter o formato de uma enorme batata, esta aproximação da Roseta revelou um formato invulgar, semelhante a um pato de borracha, com um corpo maior e uma cabeça mais pequena. Foi precisamente a zona da “cabeça”, designada Agilkia, a escolhida para a aterragem da File em Novembro de 2014, quer por oferecer o risco mínimo para o módulo em comparação com os outros locais candidatos, ao ser uma superfície plana, quer por ser cientificamente interessante, com sinais de actividade.

A aterragem a 12 de Novembro de 2014, apesar de histórica, ficou marcada por algumas falhas. Os arpões destinados a prender a sonda ao chão do cometa, cuja gravidade é muito fraca (cerca de um milhão de vezes menor do que a da Terra), não dispararam e o aparelho não ficou bem agarrado ao cometa. Até pousar permanentemente numa fenda do 67P, onde ficou sem energia ao fim de três dias, sendo apenas descoberta dois anos depois, a sonda sofreu dois ressaltos, tocando em três pontos distintos: o primeiro (Agilkia) e o terceiro (a tal fenda, designada Abydos) eram conhecidos dos cientistas da ESA e o segundo, até mantinha-se desconhecido, até hoje.

“Após o primeiro toque, na Agilkia, a sonda ressaltou e esse ressalto resultou na libertação de poeira que entrou na File e foi medida por espectrómetros, fornecendo informações sobre a dureza da superfície do cometa”, explica ao PÚBLICO Laurence O’Rourke da ESA, autor principal do estudo sobre o segundo ponto de aterragem da sonda, publicado na última edição da revista Nature.

Abydos é o local onde ainda hoje se encontra a sonda. Foi a partir de lá que a maior parte da ciência foi feita, incluindo captação de imagens, medições de temperatura, medições de dureza superficial e medições de radar para determinação da estrutura do cometa”, acrescenta o investigador.

Identificados estes dois pontos e retiradas as conclusões que forneceram acerca do cometa, faltava perceber o que tinha acontecido no local intermédio da aterragem e foi isso que a equipa de investigadores liderada por Laurence O’Rourke descreveu no estudo, cinco anos após o último sinal enviado pela sonda à Terra – em Junho de 2015 –, antes de adormecer para sempre.

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File escondida na fenda do cometa, onde permanece até hoje ESA

Gelo suave como a “espuma de um cappuccino

Tal como expõe o artigo, foi realizada uma análise comparativa da superfície do cometa, utilizando imagens de alta resolução captadas pela câmara OSIRIS a bordo da Roseta, antes e depois da aterragem da File. Ao mesmo tempo, cruzaram-se dados de medições do campo magnético, concebidas tanto pelo magnetómetro da File (o ROMAP), como pelo magnetómetro transportado pela Roseta (o RPC).

A partir daí, os investigadores observaram alterações nas características de duas rochas adjacentes na superfície de uma crista, o que só poderia ser explicado pela passagem do pequeno módulo. Essas alterações, que vistas de cima pareciam assumir a forma de um crânio, incluíram uma característica invulgar na fronteira entre as rochas: com um brilho seis vezes maior do que o do terreno em redor coberto de poeira, detectou-se gelo a uma profundidade de 25 centímetros, que estaria enterrado e protegido das condições espaciais, até ter sido exposto pela aterragem da File.

A equipa confirmou assim que este gelo “primitivo” – ou seja, desde a época da formação do cometa há cerca de 4500 milhões de anos – tem uma resistência muito baixa à compressão. É “mais suave do que a neve”, do que “a espuma das ondas do mar” ou do que a “espuma de um cappuccino”, pegando em analogias de Laurence O’Rourke, citado num comunicado da ESA.

“Era uma luz a brilhar na escuridão”, afirmou o cientista no comunicado, salientando que se encontrava a apenas 30 metros de distância da fenda do cometa onde a sonda ficou finalmente a repousar para sempre.

Além disto, a partir da identificação do segundo local de aterragem da sonda File – baptizado por Cume Topo do Crânio –, a equipa observou que o material que compõe o interior do 67P apresenta uma disposição “em bloco”, em que os grãos sólidos de poeira e gelo do tamanho de um micrómetro estão contidos em unidades maiores (calhaus), que são uma espécie de “pilha de entulho”. Esta disposição cria as condições necessárias à tal baixa resistência à compressão do material da rocha cometária em que a File embateu.

“A Roseta continua a ser a missão espacial mais importante que estudou um cometa na sua viagem à volta do Sol. As suas descobertas têm tido grande impacto no campo das ciências planetárias, tendo respondido a muitas perguntas e levantado tantas outras”, diz-nos Laurence O’Rourke. “Acredito que o seu estudo não fique por aqui e que mais dados sejam publicados nos próximos anos”, remata.

Para já, a história da missão Roseta conheceu mais um desenvolvimento. O capítulo da aterragem da File no cometa 67P – que neste momento se encontra a 598 milhões de quilómetros de nós – chegou ao fim, com o último mistério a ser desvendado.

Texto editado por Teresa Firmino

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