Uma juventude desesperada

São urgentes reformas que permitam dar nova vitalidade à democracia e gerem confiança nos jovens.

Muito não está a funcionar nas sociedades modernas e democráticas, como o testemunha a crescente insatisfação, ou mesmo desencanto, das jovens gerações com a democracia política, pela qual se bateram e deram a vida milhões de pessoas desde o início da Revolução Americana e depois da Revolução Francesa. Esse desencanto é revelado de forma concludente pelos resultados de um estudo de amplo espectro conduzido pelo Centro para o Futuro da Democracia da Universidade de Cambridge, que cobriu 160 países e 4,9 milhões de respostas.

Esta situação é um sinal de alarme para as disfunções económicas e sociais que afectam os próprios países europeus mais evoluídos e que só podem piorar nos próximos tempos, com a tremenda crise mundial gerada pela pandemia da covid-19 (singularmente apelidado de “novo covid”, pelo facto de a sua taxonomia o referir como SARS-CoV-2).

Os dois pilares essenciais, a par da liberdade, de uma sociedade aberta e livre, são seguramente a genuína igualdade de oportunidades e o funcionamento efectivo do chamado ascensor social e profissional, necessariamente ligado ao mérito e ao trabalho, existindo naturalmente uma rede de protecção social para os mais velhos, os doentes e aqueles que, nas curvas da vida, caíram em situação de desemprego ou ficaram temporariamente impossibilitados de trabalhar.

Quando estes ingredientes entram em panne ao longo de um prolongado período de tempo, não pode admirar que as jovens gerações entrem em ruptura com um modelo político que não lhes permite a plena realização e se lancem facilmente nos braços de narrativas populistas e radicais, de extremismos de esquerda ou direita. Quem mergulhar na leitura essencial da História da Europa ao longo dos últimos dois séculos entenderá certamente melhor esta correlação nítida entre injustiça social, frustração de expectativas legítimas, pobreza e escassez de oportunidades e o exacerbar das ideologias, a eclosão de revoltas e perturbações graves – que, por via de regra, acabam por conduzir a períodos, felizmente temporários, de limitação de liberdades, quando não de ditadura e repressão.

As falhas do sistema em matéria de crescimento económico anémico, de elevado desemprego juvenil e de excessiva desigualdade na distribuição da riqueza, são os principais factores geradores da insatisfação que se nota, mesmo na experiência empírica vivida no quotidiano de cada um de nós.

Acresce que, apesar do tão apregoado facto de esta geração ser a que tem melhores níveis de educação de base na história do mundo, o ensino superior criou um grande número de cursos que formam jovens destinados a sofrerem longos períodos de desemprego e que vão engrossar o número daqueles que, por escolhas de vida ou acontecimentos adversos, vivem no mundo da precariedade, com as preocupações e sofrimentos inerentes.

Ora, é em grande parte do batalhão de precários que o sistema gerou que os populismos vão recrutar os recursos que os seus líderes e mentores depois atiram para a batalha política. Sempre foi e sempre será mais fácil a vida de um demagogo do que a vida de um político moderado, que queira basear a sua acção na racionalidade e nos ensinamentos da ciência e da técnica, governar para o bem-estar sustentável, com resultados que só se obtêm a prazo médio ou longo, e que queira restabelecer pontes de diálogo, cuidar das feridas da sociedade e procurar consensos, a essência de um regime democrático.

É certo que meios de comunicação social também têm a sua responsabilidade, no enfoque que dão às notícias negativas e na forma enviesada com que por vezes olham para os factos que relatam. Uma comparação honesta entre os benefícios e os falhanços das sociedades democráticas e de outros tipos de regimes, como os da Venezuela, Cuba ou Nicarágua, para não falar no caso extremo da Coreia do Norte, permitiriam aos jovens opções mais informadas sobre as escolhas possíveis.

De qualquer modo, tudo isto evidencia a necessidade urgente de reformas que permitam dar nova vitalidade à democracia, a começar por uma recuperação económica no período pós-covid (que se deseja também apoiada numa certa “desglobalização”) que seja verdadeiramente inclusiva, que gere confiança nos jovens e contribua a sério para a sua realização profissional e social. Se falharmos neste desígnio vamos continuar a ver, inevitavelmente, nuvens cada vez mais densas a ameaçar essa conquista civilizacional que é a democracia política. E acabaremos, no mínimo, na agressão.

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