Jovens transformam toneladas de óleo alimentar usado em sabão e detergente

Para chegar ao sabão e detergente, o óleo passa por várias etapas, desde a filtração e decantação, para expelir todos os resíduos, seguindo depois o tratamento para retirar o cheiro e a cor preta. Jovens esperam tornar a Biodosa na maior empresa ecológica do país.

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Um trabalhador durante a produção de sabonetes da empresa Biodosa LUSA/FERNANDO DE PINA

Depois da fritura, o óleo usado sai da cozinha para as mãos de dois jovens cabo-verdianos, que, de forma artesanal, já transformaram 7,5 toneladas desse resíduo em sabão e detergente, e que esperam tornar a Biodosa na maior empresa ecológica do país.

Alex Mascarenhas e Deritson de Pina terminaram a licenciatura em Engenharia Química e Biológica na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV) em inícios de 2018 e não perderam tempo em colocar em prática os ensinamentos dos anos do curso, designadamente os princípios da reciclagem, que são os quatro ‘R’: reciclar, reduzir, reutilizar e recuperar.

E nas pesquisas do mercado, já com intenção de criar a própria empresa, constataram que Cabo Verde é um país “ecologicamente fraco”, com muitos resíduos, como plástico e papel, em que a solução é queima ou depósito em aterro sanitário, disse à agência Lusa Deritson de Pina.

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Um trabalhador exibe sabonetes da empresa Biodosa, produzidos biologicamente com óleo de cozinha usado, na cidade da Praia, Cabo Verde, 08 de outubro de 2020. Depois da fritura, o óleo usado sai da cozinha para as mãos de dois jovens cabo-verdianos, que, de forma artesanal, já transformaram 7,5 toneladas desse resíduo em sabão e detergente, e que esperam tornar a Biodosa na maior empresa ecológica do país FERNANDO DE PINA/LUSA

E há também o óleo de cozinha usado, que é ainda mais poluente, tendo os jovens encontrado aí o “ponto forte” para criar a Biodosa, empresa que durante o resto de 2018 funcionou de forma experimental, à procura de apoios e realização de estudos, fez o registo em Janeiro de 2019 e começou a actividade oficialmente no mês seguinte.

Segundo Deritson de Pina, 26 anos, havia muitas soluções para a reciclagem do óleo de cozinha usado, como produção de velas, óleo de engrenagem, combustível, mas “o caminho mais fácil” foi a sua transformação em sabão e detergente, dois produtos ecológicos e biodegradáveis.

E o trabalho no terreno começou com os principais restaurantes da cidade da Praia, com apresentação do projecto e recolha dos óleos usados para reciclagem, num processo artesanal, que acontece na casa do outro sócio da empresa, Alex Mascarenhas.

Filtração, decantação e tratamento

Para chegar ao sabão e detergente, o óleo passa por várias etapas, desde a filtração e decantação, para expelir todos os resíduos, seguindo depois o tratamento para retirar o cheiro e a cor preta, descreveu Deritson de Pina.

“Depois iniciamos o processo de produção, colocamos numa bandeja durante 24 horas para secar, cortamos e damos o acabamento para chegar às lojas”, referiu um dos sócios da Biodosa, que usa ainda a soda cáustica, uma base forte para ajudar o óleo a transformar-se em sabão, e as essências naturais são de eucalipto, limão e lavanda. “O processo é todo artesanal, mas a nossa ideia é ser a maior empresa ecológica de Cabo Verde, ter máquinas, entre outros, e o nosso próprio espaço”, perspectivou o engenheiro químico, para quem o facto de ainda estarem instalados em casa de um dos sócios ajuda a reduzir algumas despesas, mas é diferente de instalações próprias.

Os primeiros ‘ensaios’ dos produtos foram feitos precisamente com os moradores de Eugénio Lima, onde têm a instalação provisória, que após usarem o sabão deram-lhe o nome de Rendosa, pelo facto de durar por muito tempo.

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Em menos de três anos de funcionamento, os jovens já recolheram cerca de nove mil litros de óleo em restaurante e particulares na cidade da Praia, dos quais reciclaram perto de 7,5 toneladas, evitando que esse resíduo chegue à natureza ou aos canos de esgoto.

Por mês, a Biodosa produz em média 1500 sabões de barra e vende também uma média de mil, a um preço de 40 escudos (0,36 cêntimos do euro) na fábrica e 30 escudos (0,27 cêntimos do euro) para os revendedores, segundo Deritson de Pina.

Apesar de já ter vários clientes, entre eles os principais minimercados da Praia, o sócio da empresa salientou que ainda há “muita resistência” em Cabo Verde relativamente aos produtos ecológicos e feitos no país.

Por isso, além da reciclagem, a empresa aposta forte na consciencialização das pessoas para a protecção ambiental, prosseguiu o jovem empresário, lembrando que um litro de óleo contamina um milhão de litros de água.

“São as consequências locais e globais que mostramos às pessoas. E há uma consequência ainda maior quando deitamos o óleo ao mar, causa enchentes e o aquecimento global, durante o processo de decomposição, em que consome muito oxigénio e liberta produtos como dióxido de carbono e metano, que são prejudiciais para a camada de ozono”, referiu o químico.

Ir além dos óleos

Deritson de Pina, natural do concelho de Santa Cruz, também na ilha de Santiago e morador em Palmarejo, cidade da Praia, disse que ele e o colega Alex Mascarenhas sentem-se orgulhosos, porque estão a pôr em prática tudo o que aprenderam e por estarem a “fazer alguma coisa para o meio ambiente, proteger o meio ambiente”.

Segundo o engenheiro, por enquanto o foco é a reciclagem de óleo, mas a Biodosa ambiciona trabalhar com todo o tipo de resíduos para os transformar num produto amigo do ambiente e biodegradável.

Um trabalhador organiza sabonetes da empresa Biodosa FERNANDO DE PINA/LUSA
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Um trabalhador organiza sabonetes da empresa Biodosa FERNANDO DE PINA/LUSA

Deritson de Pina salientou que a empresa quer mostrar às pessoas que não estão a comprar só um sabão ou detergente, mas sim uma causa, que é a protecção do ambiente, em que um litro de óleo dá para produzir sete cubos de sabão.

“O nosso objectivo é minimizar o impacto ambiental causado pelos resíduos e consciencializar as pessoas relativamente à ecologia, viver de forma sustentável, o que deve começar lá em casa, separando o lixo, reutilizar, entregar numa empresa ou ver outra solução para ele”, concluiu.

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