Parlamento Europeu exige à Comissão legislação contra desflorestação

A relatora da Comissão do Comércio Internacional do Parlamento Europeu diz que este é “um importante passo para travar e reverter a desflorestação”. Delara Burkhardt garante tratar-se da “oportunidade de criar um quadro jurídico justo e eficaz, baseado no dever de diligência obrigatório” das empresas.

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Reuters/NACHO DOCE

Criar regras para travar a desflorestação global por iniciativa da União Europeia (UE) através da obrigatoriedade do dever de diligência para empresas que operam no mercado europeu. Este é o repto lançado pelo Parlamento Europeu à Comissão e que ontem foi aprovado pelos deputados em Bruxelas. Recebeu 377 votos a favor, 75 contra e 243 abstenções.

“Todos concordam que as medidas voluntárias para travar e reverter a desflorestação global falharam. A adopção deste relatório dá-nos a oportunidade de criar um quadro jurídico justo e eficaz, baseado no dever de diligência obrigatório. Este é um importante passo para travar e reverter a desflorestação global motivada pela UE”, disse a relatora da Comissão do Comércio Internacional do PE, a alemã Delara Burkhardt (S&D), no final da votação.

Desde 1990, o mundo perdeu 1,3 milhões de quilómetros quadrados de florestas, ou seja, uma área superior à da África do Sul. E os deputados europeus consideram que reverter a desflorestação é essencial, como forma de proteger a biodiversidade, criar sumidouros naturais de carbono e apoiar, de forma sustentável, as comunidades locais.

Actualmente, não existe legislação europeia que proíba a venda, no mercado da UE, de produtos que contribuam para a destruição de florestas. Em resultado desta lacuna, os consumidores não sabem se os produtos que compram contribuem, ou não, para a desflorestação, embora a estimativa seja que o consumo europeu represente cerca de 10% da desflorestação global. Entre os principais motores da desflorestação contam-se o óleo de palma, a carne, a soja, o cacau, os eucaliptos, o milho, a madeira, o couro e a borracha.

No início de Julho, um estudo da revista científica Nature referia que a área de desflorestação e perda de biomassa florestal aumentou 49% e 69%, respectivamente, na União Europeia entre 2016 e 2018, face ao período entre 2011 e 2015. Dava, aliás, conta que as maiores perdas ocorreram na Península Ibérica e nos países nórdicos e bálticos (Suécia, Finlândia, Polónia, França, Letónia, Portugal e Estónia) e que, só em Portugal, se deu uma variação de 56% no ritmo da área desflorestada no período 2016-2018 em relação a 2004-2015. 

Identificar, prevenir e mitigar a desflorestação

Cientes de que as iniciativas voluntárias e a certificação e a rotulagem não são suficientes para combater o problema, os eurodeputados instam, assim, a Comissão para que apresente legislação europeia, vinculativa, para travar e reverter a desflorestação global motivada pela UE.

O PE apela à criação de um quadro jurídico europeu baseado na diligência obrigatória para as empresas. Isto significa que estas terão de implementar mecanismos de avaliação de riscos aos seus produtos para identificar, prevenir, mitigar e ter em conta a forma como abordam a questão da desflorestação nas suas cadeias de abastecimento.

Todos os operadores no mercado europeu terão de assegurar que os seus produtos podem ser rastreados, para que se possa identificar a sua origem e confirmar que as regras estão a ser implementadas. As empresas que não o façam e coloquem no mercado europeu produtos que derivam de negociantes que coloquem em risco as florestas e os ecossistemas devem enfrentar penalizações. Contudo, os eurodeputados afirmam que os encargos administrativos para as PME terão de ser limitados a um mínimo.

Nova Estratégia da UE para as Florestas em 2021

A Comissão Europeia deverá apresentar a futura Estratégia da UE para as Florestas no início de 2021. E o Parlamento Europeu já emitiu um alerta, avisando que é preciso medidas para travar a desflorestação e para incentivar a reflorestação e florestação.

Em comunicado emitido a 8 de Outubro, os eurodeputados fizeram saber que é “necessária uma Estratégia da UE para as Florestas, ambiciosa, independente e autónoma, para o período pós-2020”. Um documento orientador que tenha em conta “a sustentabilidade económica, social e ambiental” e que assegure “a continuidade do papel multifuncional das florestas”.

O relatório hoje aprovado em Bruxelas refere vários estudos que demonstram que a proibição de entrada de produtos associados à desflorestação no mercado europeu não terá impacte no volume e no preço dos produtos vendidos aos consumidores e que quaisquer custos adicionais a que os operadores possam incorrer serão mínimos. Além disso, estas medidas acabariam por beneficiar as empresas, já que contribuiria para nivelar a competitividade, aplicando as mesmas normas a todos os operadores.

Os eurodeputados consideram ainda que o quadro jurídico da UE, para além de contemplar as florestas, deve também ser alargado aos “ecossistemas com elevado teor de carbono e ricos em biodiversidade, como os ecossistemas marinhos e costeiros, as zonas húmidas, as turfeiras ou as savanas, a fim de evitar que a pressão seja transferida para estas paisagens”.

O Parlamento Europeu considera ainda que a proposta legislativa da Comissão deverá conter também definições concretas, distinguindo casos de desflorestação de casos de degradação florestal. Os parlamentares acreditam, por outro lado, que as florestas ancestrais e primárias devem ser consideradas e protegidas como bens globais comuns, e que os seus ecossistemas devem possuir um estatuto legal.

Por fim, os parlamentares defendem que o comércio europeu e a política de investimento da UE devem incluir capítulos vinculativos e com força executória em matéria de desenvolvimento sustentável que respeitem plenamente os compromissos internacionais. Nesse sentido, os eurodeputados lamentam que tais medidas não tenham sido plenamente incluídas no acordo de comércio livre da UE com o Mercosul.

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