Justiça absolve ex-major dos Mossos acusado de colaborar no processo independentista catalão

Audiência Nacional concluiu que Trapero actuou com o objectivo de “minimizar danos”, mesmo se “isso significasse a celebração do referendo ilegal” na Catalunha, mas não com intenção de o permitir.

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Trapero ficou hoje a saber que foi absolvido de todas as acusações Fernando Villar/EPA

A Procuradoria da Audiência Nacional (AN) espanhola ainda vai avaliar se apresenta recurso, mas a sentença deste tribunal a absolver o major Josep Lluís Trapero e a restante cúpula dos Mossos d’Esquadra inflige um duro golpe às teses apresentadas pela acusação e defendidas pela Guarda Civil. Para a maioria dos juízes da Sala do Penal da AN, face ao desafio independentista de realizar o referendo de 2017, o ex-chefe da polícia autonómica da Catalunha agiu sempre tendo em conta a vontade de “minimizar danos”.

Não houve “passividade” do corpo policial, como defendia a acusação, mas sim uma actuação baseada na “proporcionalidade” e no objectivo de evitar danos maiores num período de muitíssima tensão.

Ao mesmo tempo, o tribunal não encontrou provas de que Trapero se tenha posto de acordo com os líderes independentistas para não cumprir os mandados judiciais que visavam impedir a celebração do referendo de 1 de Outubro de 2017 – a votação, sem valor jurídico, aconteceu em escolas por toda a Catalunha; contaram-se quase 2,3 milhões de boletins de voto (mais 770 mil pessoas tentaram votar sem conseguir ou viram os seus boletins confiscados) e 90% manifestaram-se a favor da independência.

Sem um comando único – Trapero recusara subordinar os Mossos à Polícia Nacional, que Madrid enviara para a comunidade autonómica acompanhada de reforços da Guarda Civil –, cada corpo agiu de forma diferente e as outras polícias acusaram os Mossos de nada fazerem para encerrar as escolas que funcionavam como centros de voto. Isto enquanto a Polícia Nacional e a Guarda Civil retiraram urnas e boletins de 400 escolas, onde entraram a golpes de cassetete: de acordo com as autoridades de Saúde catalãs, fizeram pelo menos 893 feridos, incluindo um homem que ficou cego de um olho ao ser atingido por uma bala de borracha.

Sedição e desobediência

O major estava acusado de sedição e desobediência e arriscava-se a uma pena de prisão de dez anos. A acusação englobava um período de tempo mais alargado, mas centrava-se em dois momentos, a manifestação de 20 de Setembro (que se prolongou até ao dia seguinte) junto ao Departamento de Economia, no centro de Barcelona, um protesto marcado pelas associações soberanistas no dia em que as polícias nacionais entraram em várias instalações do governo catalão para deter responsáveis e recolher provas na tentativa de impossibilitar a votação marcada para dali a dias; e o próprio dia da consulta.

Com Trapero eram também acusados de sedição o secretário-geral do Interior da Generalitat, César Puig; o ex-director-geral da polícia catalã, Pere Soler; e Teresa Laplana, responsável do grupo operacional de segurança mobilizado para a sede da Conselharia de Economia. A Procuradoria pedia dez anos de prisão para Puig e Soler e quatro para Laplana.

“Efectivamente, o acusado estava obrigado a fazer tudo o que estivesse nas suas mãos para cumprir os mandados do Tribunal Constitucional, da Procuradoria e da magistrada instrutora do Tribunal Superior de Justiça”, dizem os juízes. “Mas, na ponderação dos interesses em jogo (integridade das pessoas, alteração da ordem pública, cumprimento do mandado judicial), o chefe da polícia não deveria ter como única finalidade impedir o referendo a todo o custo”, sustenta. “Se isso produzisse danos irreparáveis, não só a responsabilidade destes podia ser-lhe imputada como a sua actuação, do ponto de vista profissional, teria sido um fracasso.”

Proporcionalidade e prudência

Os magistrados consideram compreensível “a reiterada menção dos princípios da proporcionalidade, congruência e oportunidade” e sublinham que “o uso da força contra cidadãos indefeso, contra pessoas mais velhas, contra famílias inteiras, não poderia ser, nesta situação, a solução para impor o cumprimento do ordenamento jurídico”. Aliás, sublinha-se que a mesma “proporcionalidade” guiou a actuação da Polícia Nacional, que fracassou na tentativa de impedir pela força a realização do referendo e “teve de desistir em muitas das suas intervenções de dia 1 de Outubro face à natureza e condição das pessoas que estavam nos centros de voto”.

A sentença defende que “numa situação tão extraordinária, a prudência não pode ser considerada como cooperação com a sedição ou desobediência aos mandados judiciais, mesmo tendo possibilitado a celebração do referendo ilegal e favorecido a estratégia independentista”. Este é o entendimento dos magistrados Ramón Sáez e Francisco Vieira; já a juíza Concepción Espejel discorda e fez uma declaração de voto favorável à condenação por sedição de Trapero e de Soler. 

Este julgamento, que teve início em Janeiro, é um dos três que já se realizaram sobre o processo independentista catalão. O primeiro, no Supremo Tribunal, terminou há um ano com a condenação dos líderes políticos e associativos independentistas – dos 12 acusados, nove foram condenados a penas que variam entre os nove e os 13 anos de prisão por sedição e desvio de fundos. Entretanto, num terceiro caso, o Tribunal Superior de Justiça da Catalunha condenou quatro deputados membros da mesa do parlamento autonómico por desobediência.

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