Câmara de Setúbal espera legalizar “palácio” de Joe Berardo com novo Plano Director Municipal

Presidente da autarquia diz que revisão do PDM concluída em Agosto vai “corrigir” situação que levou ao chumbo do Instituto da Conservação da Natureza e Florestas. Mas falta contornar problemas levantados pelo património.

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A Câmara Municipal de Setúbal conta com o novo Plano Director Municipal (PDM) para poder vir a licenciar as obras que a Bacalhôa Vinhos de Portugal, empresa de Joe Berardo, está a fazer, ilegalmente, na antiga estação de camionagem de Vila Fresca de Azeitão, indica uma declaração feita esta quarta-feira pela presidente do município.

Depois de o PÚBLICO ter avançado que a intervenção foi chumbada pelo Instituto da Conservação da Natureza (ICNF) e pela Direcção-Geral do Património Cultural, e após uma semana de silêncio, em que disse apenas que o caso está “em processo de legalização”, Maria das Dores Meira apresentou a revisão do PDM como a solução para o problema.

A autarca comunista considera “estranha” a classificação atribuída aos terrenos pelo PDM actualmente ainda em vigor. “Os terrenos em que aquele complexo foi construído em 1960 foram, estranhamente, classificados pelo PDM aprovado em 1994, numa gestão camarária liderada pelo PS, como espaços naturais e culturais, classificação que impede ali qualquer construção e, no limite, obrigaria a manter eternamente e até à ruína total aqueles edifícios sem que fosse permitida qualquer alteração, ruína que, aliás, começava já a ser evidente”, afirma Maria das Dores Meira.

Na longa declaração que apresentou, na reunião pública do executivo municipal, a presidente da câmara aponta também o dedo ao Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida (POPNA).

“Dez anos mais tarde, em 2004, o POPNA insiste nesta visão [do PDM], atribuindo àqueles terrenos um regime de Protecção Complementar II, com fortes restrições à edificação e voltando a não enquadrar a actividade que ali era desenvolvida desde a década de sessenta”, refere.

Maria das Dores Meira acrescenta que a situação será “corrigida” com a entrada em vigor do novo PDM.

“A revisão do PDM de Setúbal, já concluída, corrige esta situação alterando o uso daqueles terrenos para funções compatíveis com outros usos urbanos, nomeadamente os que foram apresentados pelo promotor em sede de discussão pública deste plano”, garante.

Para a comunista, não aproveitar a revisão do PDM para alterar o uso dos terrenos onde se encontra o edifício de Joe Berardo seria “o equivalente a permitir que se perpetuasse o estado de degradação e desqualificação urbanística e paisagística daquele local, além de favorecer o desinteresse de potenciais interessados em investir na requalificação daqueles edifícios”.

A declaração da autarca não explica, no entanto, como pode a alteração do PDM resolver o problema da falta de parecer positivo da Direcção-Geral do Património Cultural. Como o PÚBLICO revelou esta quarta-feira, a DGPC chumbou as obras realizadas pela empresa de Joe Berardo por afectarem a Zona Especial de Protecção do Palácio da Bacalhôa. A DGPC considera que o novo edifício, apalaçado, é “em certa medida ‘concorrencial’” com o monumento nacional.

Quanto à posição da Direcção-Geral do Património Cultural, Dores Meira sublinha apenas que as obras em curso estão “fora da zona onde não são permitidas construções”, nada referindo sobre as alterações arquitectónicas e opções estéticas que justificam o parecer negativo dado já por três vezes.

Sobre as obras que decorrem ilegalmente há cerca de um ano e meio, a presidente da câmara não esclareceu se foi feita alguma fiscalização nem explicou porque não foi embargada, apesar de não ter licença de construção, que é obrigatória previamente.

Promotor comunicou que ia fazer limpezas e mudar coberturas

A autarca diz apenas que a Bacalhôa Vinhos, “em comunicação feita no princípio de 2019, informou a Câmara Municipal de Setúbal de que iria fazer limpezas nos vários edifícios e terrenos adjacentes que constituem este antigo complexo industrial (assim classificado pelo promotor) e mudar as coberturas destas estruturas” e que apenas “mais tarde” apresentou nos serviços camarários “um pedido de licenciamento”.

A responsável reconhece que sem os pareceres positivos do ICNF, da DGPC, e de outros organismos, “não poderia a autarquia licenciar as obras”, e acrescenta que “ao longo dos últimos meses a Câmara Municipal de Setúbal alertou, por várias vezes, o promotor da obra para a obrigatoriedade de ter o processo de licenciamento concluído de forma a poder avançar com as alterações”.

A declaração feita agora pela presidente da câmara confirma que a Infra-Estruturas de Portugal (IP) é outra das entidades cujo parecer é obrigatório por a obra encontrar-se junto à Estrada Nacional (EN)10. O PÚBLICO questionou a IP há quase uma semana, por ter informação de que o parecer desta empresa é também negativo, mas ainda não obteve resposta.

Dores Meira afirma que a autarquia “não pode aceitar os processos adoptados pelo promotor e que nos conduziram à actual situação”, mas deixa claro que pretende uma solução que viabilize a requalificação do edifício.

“Tudo faremos para criar as condições que permitam resolver da melhor forma este problema, mas sempre tendo em vista a qualificação urbana daquela zona, assim como o desenvolvimento e qualificação do nosso território”, conclui.

Como o PÚBLICO avançou, a transformação da antiga estação de camionagem de Vila Fresca de Azeitão, numa espécie de palácio, está a ser feita sem licença municipal de construção e teve já pareceres negativos do ICNF e da DGPC. Além de tratar-se de zona abrangida pela Reserva do Parque Natural da Arrábida, o edifício em obras afecta a zona de protecção especial do Palácio da Bacalhôa, classificado como monumento nacional, que fica em frente, do outro lado da estrada.

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