BCE pode manter em segredo dados sobre queda do BES, decide tribunal europeu

Tribunal de Justiça anula decisão do Tribunal Geral. Caso que opõe antiga holding do Luxemburgo ao BCE durava desde 2016.

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Ricardo Salgado presidiu à administração da ESFG a partir de 1991 Miguel Manso

O Tribunal de Justiça da União Europeia voltou a dar razão ao Banco Central Europeu (BCE) sobre a confidencialidade do dossier do Banco Espírito Santo (BES), considerando que o supervisor pode manter em segredo determinadas informações relacionadas com decisões internas que levaram à suspensão do acesso do banco à liquidez do Eurosistema nas vésperas da resolução.

Desde 2016 que a Espírito Santo Financial Group (ESFG), a holding do Luxemburgo que controlava os activos financeiros do grupo que fora liderado por Ricardo Salgado, procurava ter acesso integral a decisões tomadas pelos órgãos do BCE antes da queda do banco. A holding, actualmente em liquidação, teve acesso a alguns dados, mas com partes ocultadas, e por isso litigou em tribunal. Primeiro, o Tribunal Geral da União Europeia deu-lhe razão, mas, no recurso para o Tribunal de Justiça, venceu o BCE.

A sentença, tomada nesta quinta-feira, segue o que já fora decidido relativamente a um diferendo idêntico da Espírito Santo Financial, sociedade gestora de participações sociais sediada em Lisboa.

Em Abril de 2016, a holding luxemburguesa escreveu para Frankfurt a pedir ao supervisor bancário para ter acesso à decisão do conselho de governadores do BCE tomada a 1 de Agosto de 2014 (a sexta-feira anterior à resolução) e a outros documentos emitidos por qualquer serviço do BCE “antes ou depois desta decisão, bem como a toda a comunicação trocada com o Banco de Portugal que estivessem ligadas de alguma forma” a essa decisão.

Sob proposta da comissão executiva do BCE de 1 de Agosto de 2014, recorda agora o Tribunal de Justiça, o conselho do BCE decidiu, nessa sexta-feira, “suspender o acesso do BES e das suas sucursais, com efeitos a 4 de Agosto de 2014 [segunda-feira seguinte], aos instrumentos do crédito de política monetária por razões de prudência, e ordenou ao BES que reembolsasse, o mais tardar até à mesma data, todo o crédito concedido no âmbito do Eurosistema”, tendo essa decisão ficado registada em acta, onde também ficou definido “o limite máximo para a provisão de liquidez de emergência que o Banco de Portugal poderia conceder ao BES”.

O BCE deu acesso integral ou parcial a um determinado número de documentos e entregou cópia parcial das actas que registaram as decisões do conselho de governadores a 28 de Julho e a 1 de Agosto de 2014 (e das correspondentes propostas da comissão executiva do banco central).

No entanto, ao receber essa documentação, a ESFG verificou que o BCE tinha expurgado informação sobre os montantes de crédito definidos relativamente ao BES, as sucursais e as filiais através dos instrumentos de política monetária do Eurosistema (28 de Julho de 2014). E também tinha sido ocultado relativamente ao limite máximo de liquidez de emergência que poderia ser concedida pelo Banco de Portugal (1 de Agosto de 2014).

O BCE, então liderado por Mario Draghi, rejeitou revelar os montantes ocultados e as passagens suprimidas, invocando as regras em vigor desde 2004 relativas ao acesso do público aos documentos do banco central, na qual se diz, designadamente, que “o BCE recusará o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a protecção do interesse público, no que respeita à confidencialidade das deliberações dos órgãos de decisão do BCE”.

A partir daí, a ESFG interpõe recurso para o Tribunal Geral Europeu para anular essa decisão. Viria a ganhar, pois os juízes consideraram que o banco central não apontara razões suficientes para recusar o acesso, mas o BCE resolveu recorrer e conseguiu fazer valer a sua posição.

A ESFG tinha alegado que a informação sobre o montante do crédito concedido não poderia ser considerada como “fazendo parte das deliberações dos órgãos de decisão do BCE” e sustentava-o afirmando que essa não é uma informação confidencial tendo em conta que o próprio Banco de Portugal tinha revelado um valor — montante esse que a divulgação dos extractos das decisões do conselho poderia confirmar.

No entanto, o Tribunal de Justiça considerou que a circunstância de o montante aproximado ter sido publicada pelo supervisor português então liderado por Carlos Costa não obriga o BCE a comunicar a “informação relativa a esse montante exacto” e concluiu que se aplica a tal norma que permite a recusar o acesso em determinadas circunstâncias.

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