“Dia memorável” para o Irão com o fim do embargo de armas da ONU

Apesar da oposição dos Estados Unidos, Teerão vê-se livre das sanções militares e pode voltar a adquirir helicópteros ou tanques. Mas não se antecipa uma corrida ao armamento.

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Míssil de cruzeiro de fabrico iraniano disparado em exercícios militares Wana News Agency/Reuters

Ao fim de 13 anos, a interdição de venda de armas e de equipamento militar pesado imposta pela ONU ao Irão terminou este domingo, como ficou determinado no acordo internacional sobre o programa militar iraniano, o histórico compromisso de 2015 que introduziu um regime de inspecções e pôs fim à crise nuclear iraniana. Teerão pode voltar a adquirir legalmente armas convencionais – num comunicado, o Ministério da Defesa saudou “o levantamento automático de todas as restrições sobra transferências de armas, actividades relacionadas e serviços financeiros com destino e em proveniência da República Islâmica”.

Foi há dois meses que os Estados Unidos fracassaram rotundamente na tentativa de convencer os outros 14 membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas a aprovar uma proposta para prolongar indefinidamente este embargo – a precisar de nove votos para uma eventual aprovação, Washington conseguiu apenas garantir o apoio da República Dominicana. Na votação, Rússia e China, que enquanto membros permanentes têm direito de veto, votaram contra, os restantes onze abstiveram-se.

Em resposta, a Administração de Donald Trump anunciou entretanto a reintrodução de sanções internacionais contra o Irão, ameaçando até os aliados na ONU que não as cumprissem. Reino Unido, França e Alemanha avisaram então a Casa Branca que esta decisão unilateral não tem valor jurídico, uma vez que os EUA abandonaram o acordo com o Irão em 2018. Washington fez aquilo que lhe restava, aprovando as suas próprias sanções contra pessoas e entidades ligadas ao programa nuclear iraniano e ameaçando quem não as cumprir.

“Um dia memorável para a comunidade internacional que – num desafio aos malignos esforços dos EUA – protegeu a Resolução 2231 [aprovada pelo Conselho de Segurança em apoio do acordo] e o JCPOA [siglas do acordo nuclear]”, reagiu no Twitter o chefe da diplomacia de Teerão, Javad Zarif. “A normalização da cooperação de defesa do Irão com o mundo é uma vitória para a causa do multilateralismo, da paz e da segurança da nossa região”, defendeu o ministro dos Negócios Estrangeiros.

No comunicado do Ministério da Defesa, Teerão garante que “armas não convencionais, armas de destruição maciça ou uma corrida às armas convencionais” não têm lugar na doutrina de defesa da República Islâmica.

Rússia e China

Depois de todo este tempo, o Irão aprendeu a contar muito com a sua indústria de armamento (e também com o contrabando) e não é provável que estivesse à espera de 18 de Outubro para correr a comprar armamento, mesmo por causa da enorme crise económica em que está mergulhado. Mas é provável que tanto a Rússia como a China ofereçam armas a Teerão.

No fim de Agosto, o ministro da Defesa iraniano, o brigadeiro-general Amir Hatami, já esteve na Rússia numa visita ao Fórum Internacional Técnico-Militar Army-2020 e manteve contactos com altos responsáveis russos. Mas não há indicações de que a Rússia e o Irão tenham finalizado qualquer lista ou adiantado um potencial negócio, diz à Al-Jazeera Nicole Grajewski, investigadora do Programa Internacional de Segurança no Belfer Center for Science and International Affairs.

“Não é infundado sugerir que a Rússia e o Irão possam esperar até às eleições presidenciais dos EUA”, diz a analista, acrescentando que ambos “têm razões para não antagonizar [o candidato democrata Joe] Biden se este for eleito”. Mas Grajewski acredita que a cooperação e os contactos resultantes dos interesses partilhados nos últimos anos na Síria [no apoio ao ditador Bashar al-Assad] poderão “beneficiar de um impulso”. Isto apesar de Moscovo “não querer prejudicar as suas relações com os Emirados Árabes Unidos, a Arábia Saudita e Israel fornecendo ao Irão armas avançadas ou de alta tecnologia”.

A China também quererá esperar pelas presidenciais de 3 de Novembro nos EUA. Chineses e iranianos têm discutido um acordo de parceria estratégia a 25 anos, mas perante o escrutínio internacional de que essas negociações têm sido alvo, a China quererá mostrar uma imagem de “potência responsável”, sustenta o analista Tong Zhao, do Carnegie-Tsinghua Center for Global Policy, ouvido pela mesma Al-Jazeera. E “mais importante, se Biden for eleito, Pequim vai querer reiniciar a sua relação com a nova Administração”.

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