António Costa: o novo dono disto tudo?

O caso da StayAway Covid é apenas um exemplo do “eu mando e faço como quero”, mantra que António Costa parece ter adoptado, e que o braço dado que Marcelo Rebelo de Sousa lhe vai dando, bem apertado, diga-se, parece que o consolida como conduta certa.

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Nuno Ferreira Santos

Propor, como quer António Costa, a utilização de uma aplicação como a StayAway Covid, acalentado pelo seu crónico optimismo de que o Parlamento irá aprovar uma medida de eficácia por comprovar, não é abanão, é desmando. E, quando assim é, pouco importa que contrarie as orientações da OMS e da Comissão Europeia, seja discriminatória, autoritária, que levante graves questões sobre a privacidade dos cidadãos ou atropele a Constituição nas mais relevantes liberdades individuais.

Não podia estar mais de acordo com Henrique Barros: é política para tentar criar evidência, contando com as costas largas da responsabilidade individual, e que Rui Rio tire a app do banho-maria em que a mergulhou e dê de bandeja os votos do PSD, para tornar o que ainda é uma proposta, uma lei da República.

O caso da StayAway Covid é apenas um exemplo do “eu mando e faço como quero”, mantra que António Costa parece ter adoptado, e que o braço dado que Marcelo Rebelo de Sousa lhe vai dando, bem apertado, diga-se, parece que o consolida como conduta certa.

Quando o Tribunal de Contas (TdC) se pronunciou, este mês, sobre as alterações à lei da contratação pública, avisando que as novas regras destinadas a simplificar e flexibilizar procedimentos para a celebração de contratos e projectos — incluindo os que venham a ser co-financiados pela União Europeia (UE) através dos seus 2,9 mil milhões de euros de subvenções a fundo perdido — podiam potenciar práticas de conluio, cartelização e até de corrupção, António Costa utilizou a evidência do mandato único, com o acordo tácito do Presidente da República, para não reconduzir no cargo Vítor Caldeira. Evidência que não se sustenta na prática seguida nos últimos 43 anos do cumprimento de dois mandatos por todos os presidentes do TdC. E o paralelo estabelecido com a não recondução da ex-procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, colhe mal, sobretudo, pelo “ruído” que esse processo também suscitou e que só amplifica esta dúvida de base: se o parecer do TdC tivesse sido benevolente para o Governo de António Costa, Vítor Caldeira teria sido reconduzido no cargo, ou não?

O pior exemplo, o afastamento, de que soubemos em Agosto, de Ana Carla Almeida da Procuradoria Europeia. Esclareça-se que a Procuradoria Europeia (PE) foi criada pela UE com o propósito de investigar, processar e levar a julgamento os autores de infracções lesivas dos interesses financeiros da UE. O mecanismo de eleição dos procuradores pressupunha a indicação por cada Estado-membro de três candidaturas, e que a sua a avaliação, bem como a selecção do candidato ou candidata final, seria da responsabilidade de um painel europeu de 12 especialistas. Ao arrepio da decisão desse júri que classificou Ana Carla Almeida em primeiro lugar, o Governo nomeou o segundo classificado. Ao fazê-lo pouco se importou, porventura, com o efeito dessa subversão no juízo que faremos sobre como vai funcionar a PE. Será capaz de fazer bem, com correcção ética, liberta de interesses privados ou outros, e com imparcialidade? Mais, se o mérito intrínseco reconhecido à candidata seleccionada, para uma função, sublinhe-se, que não era de nomeação política, não chegou, faltava-lhe o quê?

O tempo que vivemos é, sim, de excepção, pela incerteza e o medo que a pandemia atrelou a si. Hannah Arendt avisou, há muito, que o medo é princípio de inacção. António Costa conta com isso? Talvez, se formos condescendentes e nos esquecermos que nem todas as regras são desprezáveis a seu contento, que não há garantias nem liberdades individuais supérfluas, e que o Estado, mesmo no “novo normal”, continua a ser de Direito.

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