O sismo docente em Portugal

A realidade atual remete-nos para a iminência de uma fratura docente, nos próximos anos, que perturbará o sistema educativo e afetará a qualidade das aprendizagens dos estudantes.

De acordo com os mais recentes dados estatísticos disponíveis nas publicações divulgadas no sítio web da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, existiam, no ano letivo 2018/2019, em Portugal, cerca de 147.000 docentes no ensino não superior e outros 35.500 no ensino superior.

No contexto do ensino não superior (educação pré-escolar e ensinos básico e secundário), objeto desta reflexão, aquele universo de docentes contemplava a existência de 63.000 profissionais com uma idade superior a 50 anos e, destes, cerca de 40.000 terão mais de 55 anos. A idade média destes docentes nunca é inferior a 47 anos, em qualquer dos diferentes ciclos de ensino considerados. Estamos perante uma das classes profissionais mais envelhecidas do país com uma evidente e projetada necessidade de rápido e profundo rejuvenescimento.

Em Portugal, não encontramos outra classe profissional com um processo de rejuvenescimento tão crítico e necessário, uma vez que, no caso dos professores, não se está a garantir a renovação, gradual e organizada, destes profissionais. Na realidade, e perante os números disponíveis, temos uma garantia: nos próximos 10/15 anos, irão sair do sistema educativo, por aposentação, cerca de 60.000 professores e educadores, o que representa cerca de 40% do universo docente do ensino não superior. Na certeza de que o país não tem, atualmente, capacidade de formação inicial suficiente para garantir a reposição de um número tão grande destes profissionais, com boa qualidade científica e pedagógica.

Por outro lado, esta profunda alteração no corpo docente do ensino não superior ocorrerá sem que se planifique e articule a saída gradual dos professores mais velhos e experientes com um processo, progressivo e supervisionado, de integração dos professores mais jovens. Pelo contrário, a realidade atual remete-nos para a iminência de uma fratura docente, nos próximos anos, que perturbará o sistema educativo e afetará a qualidade das aprendizagens dos estudantes.

O que fazer para evitar este sismo? Reconfigurar a política de formação e contratação de professores, de acordo com três princípios básicos:

1. Valorizar, nas instituições de ensino superior, as ofertas de formação de professores e educadores – atualmente, ao nível do mestrado –, no sentido de estas garantirem, aos estudantes que as frequentem e concluam com êxito, o acesso garantido a um processo de integração profissional que leve ao estabelecimento de um vínculo permanente com o Ministério da Educação. Nesta modalidade de formação e inserção profissional, os estudantes realizarão o quinto ano do seu percurso académico num agrupamento de escolas, exercendo funções letivas, num processo devidamente supervisionado pelos professores mais experientes das escolas e por professores especializados das instituições de ensino superior, num contexto de estágio pedagógico equivalente ao que existia nas extintas licenciaturas em ensino. Este período de indução profissional promoveria um processo adequado de profissionalização destes jovens professores e a sua conclusão, com sucesso, garantiria um vínculo permanente ao Ministério da Educação. Este modelo de formação, e consequente integração garantida na profissão docente, poderá atrair alguns dos melhores estudantes do ensino secundário para os cursos de formação de professores;

2. Valorizar os professores mais experientes (a partir dos 55/60 anos de idade), mobilizando os seus conhecimento e experiência no processo de acolhimento e integração dos professores mais jovens, através da criação e gestão de ambientes de aprendizagem supervisionada nas suas escolas. Este trabalho de supervisão pedagógica e de tutoria, por parte dos professores mais experientes, decorreria em paralelo com uma redução proporcional da sua carga horária letiva, garantindo, dessa forma, as melhores condições de disponibilidade e dedicação para um momento formativo fundamental em qualquer classe profissional: a integração e supervisão dos mais jovens, por parte dos mais experientes. Estes docentes manteriam o seu rendimento e veriam a sua componente letiva diminuir gradualmente, na mesma proporção em que a sua componente tutorial aumentaria, até atingirem a idade de aposentação.

3. Criar redes interinstitucionais de trabalho cooperativo que envolvam, em cada território, as instituições de ensino superior com oferta formativa na área da formação de professores e educadores, os agrupamentos de escolas e os centros de formações de professores, no sentido de ser possível a criação de fileiras de formação e integração de professores e educadores que contemplem: (i) a formação dos jovens professores, nas diversas áreas disciplinares e diferentes ciclos de ensino; (ii) a formação dos professores experientes em áreas necessárias para o exercício do seu novo papel de tutores (supervisão pedagógica e outras áreas consideradas necessárias); (iii) criação de comunidades de aprendizagem que envolvam docentes dos ensinos superior e não superior e estudantes dos cursos de formação de professores e educadores, no sentido de garantir um adequado acompanhamento e supervisão dos professores mais jovens e estimulem a partilha de experiências, conhecimentos e competências.

Temos uma década para pensar, preparar e, principalmente, concretizar um processo adequado de renovação da classe docente em Portugal. Ainda temos tempo para evitar o sismo docente que se antevê. Mas, para contrariar a tectónica negativa que se aproxima, temos de agir, de forma organizada. Já!

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico              

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