Descentralização: um cheque sem cobertura?

A descentralização e a regionalização são como uma nuvem que paira no céu do discurso político e que, por mais pesada ou negra que fique, teima em não fazer cair a chuva da vontade política sobre a agenda dos sucessivos governos.

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teresa pacheco miranda

As assimetrias regionais continuam a vincar-se e teme-se que já se tenha passado do ponto de não retorno. Vivemos num país de duas velocidades: enquanto, no litoral, se fala da revolução digital e do 5G, em novos aeroportos e metros, no interior, as oportunidades de emprego escasseiam, a ferrovia é um passado distante, o preço das portagens é exorbitante e o saneamento básico, Internet ou computadores ainda não são um dado adquirido. É perante esta realidade dos territórios do interior que a descentralização pode assumir um papel preponderante na mudança de paradigma, sempre com a preocupação de não se passar um cheque em branco a quem nos governa, sob pena de o mesmo voltar sem cobertura.

Foi o que, de certa forma, se passou com as eleições indirectas para a presidência das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR)​. Voltaram-se a agitar as bandeiras da descentralização, como se de um grande passo no sentido da democratização das estruturas, que têm um papel preponderante na distribuição da torrente de fundos europeus (que não tardam em chegar), se tratasse, mas a realidade é que o processo eleitoral assumiu um cariz centralizado e pouco democrático, no sentido em que, à excepção do Alentejo, apenas se apresentou a sufrágio uma candidatura por comissão, previamente decididas nos directórios partidários nacionais. Deste modo, uma eleição que pretendia legitimar democraticamente a acção das CCDR rapidamente se transformou numa mera confirmação da nomeação dos candidatos impostos pelas estruturas de poder centralizadas, na qual os eleitos locais não tiveram qualquer tipo de influência na decisão.

Exige-se, portanto, um processo real e ponderado de descentralização de competências (por via ou não da regionalização), para tentar reverter aquilo que é (quase) irreversível: o despovoamento do interior. Porém, prévia à concretização, deve-se empreender um debate sério, mas célere, sobre os poderes, forma e objectivos deste processo. Assim, cabe questionar se se trata de poderes de gestão e definição de políticas públicas ou apenas de controlo, e em que áreas. Contudo, “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades” e, recordando o desfecho do referendo sobre a cobrança do IMI pelos municípios, é necessário averiguar se as autarquias querem ou estão prontas, desde logo financeiramente, para os receber. Depois, importa verificar se o quadro institucional actual, constituído por freguesias, municípios, comunidades intermunicipais e CCDR, é adequado à concretização destas novas políticas, ou se será necessário avançar para a criação de regiões administrativas (com ou sem assembleias próprias), divididas em Norte, Centro, Vale do Tejo e Sul, uma divisão que, diga-se, parece ser claramente insuficiente tendo em conta as realidades díspares que agrega.

Quanto aos objectivos, o sistema a implementar terá, naturalmente, de visar um reforço do poder local através da aproximação dos eleitores da fonte de poder decisório, que os responsabiliza em maior medida, permitindo uma resposta mais concreta, adequada e contextualizada aos seus problemas. Porém, só a passagem de verdadeiros poderes é que alcançarão esses objectivos, caso contrário, tornar-se-ão poderes faz-de-conta para cumprir calendário político ou, pior, alimentar uma teia de compadrios e clubismo partidário que, devido a um menor nível de escrutínio público, não é rara nas autarquias locais.

Urge, pois, uma verdadeira aposta no interior. O presente e o futuro de Portugal assim o demandam.

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