Via Verde para votar

Os milhões de euros que o erário público gasta em cada eleição não seriam suficientes para implementar e consolidar o voto eletrónico e o voto em mobilidade, tornando a participação democrática num prazer, em vez de um sacrifício?

Nas eleições presidenciais de 2016, os dez candidatos que foram a votos apenas conseguiram mobilizar 48,66% dos eleitores. Se excluirmos os votos brancos e nulos, a percentagem baixa para 47,6%. O candidato mais votado, e eleito Presidente à primeira volta, não ultrapassou 24,75% da confiança dos portugueses inscritos nos cadernos eleitorais.

A principal conclusão das eleições de 2016 é que mais de metade dos cidadãos com capacidade eleitoral optou por não exercer o seu direito de votar. Por isso, a abstenção foi a grande vencedora das últimas eleições para a Presidência da República.

Uma análise aos últimos escrutínios eleitorais permite-nos concluir que os eleitos não representam a maioria dos eleitores. Este indicador revela que a democracia atravessa uma crise de identidade e de legitimidade. Na prática, o atual modelo eleitoral é uma falha viral do sistema democrático porque traduz a incapacidade dos políticos em tornar o voto num verdadeiro direito universal e simplificado para o cidadão.

Se até as nossas declarações de impostos deixaram de ser entregues presencialmente nos serviços de Finanças, sendo obrigatório o envio por via eletrónica, qual é a justificação para que um eleitor residente no Minho e que está a trabalhar no Algarve tenha de percorrer o país para exercer o seu direito de cidadania, quando existem centenas de mesas de voto no local onde se encontra?

Os milhões de euros que o erário público gasta em cada eleição não seriam suficientes para implementar e consolidar o voto eletrónico e o voto em mobilidade, tornando a participação democrática num prazer, em vez de um sacrifício?

O secretismo do voto não é garantido da mesma forma no Algarve como no Minho? A tecnologia e a organização logística que garantem a segurança dos dados quando se entrega a declaração eletrónica do IRS ou se efetua um pagamento online não poderiam ser replicadas e adaptadas para o contexto eleitoral? 

As próximas eleições para a Presidência da República serão as primeiras de âmbito nacional que ocorrem em contexto de pandemia.

Desta vez não vamos ter bombeiros a transportar eleitores doentes e com dificuldades motoras até às mesas de voto. Serão muitos milhares de portugueses que vão ficar confinados em casa, nos lares e nos hospitais, sendo impossibilitados de exercerem o direito de votar, podendo elevar a abstenção para um patamar sem precedentes na história da democracia.

Em Portugal, a única alternativa ao voto presencial continua a ser a abstenção. Mas ainda estamos a tempo de legislar e melhorar o sistema eleitoral obsoleto, tornando-o verdadeiramente universal, fácil e amigo do ambiente.

Um país que inventou a Via Verde para os automóveis tem de ser capaz de construir uma autoestrada democrática que ligue os eleitores à vida política. A este ritmo crescente de degradante desertificação eleitoral, a democracia corre o risco de se tornar um fenómeno populista.

A abstenção não representa apenas o divórcio dos eleitores dos eleitos, demonstra também a incapacidade dos políticos para apresentarem soluções credíveis para os problemas das pessoas. Se aqueles que nos representam não conseguem transformar o ato eleitoral numa festa participativa, será que conseguem mobilizar o país para aumentar a produtividade, criar riqueza e reduzir as desigualdades sociais agravadas pela covid-19?

As eleições são o único momento em que o homem e a mulher, o rico e o pobre, o idoso e o jovem, contam rigorosamente o mesmo. Este conceito de igualdade não pode ser negligenciado. Um país de abstencionistas é uma nação sem futuro. A História jamais se lembrará deles.

Não podemos deixar que os maus políticos continuem a ser eleitos pelos bons cidadãos que ficam em casa no dia das eleições.

A escolha é sua!

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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