O outro “abanão” de António Costa

Depois do “abanão” com o alerta para o avanço da pandemia, o Governo decidiu no mesmo dia dar outro “abanão” ao discurso “Estado-cêntrico” do Bloco e do PCP e reequilibrou, mesmo que ao de leve, as suas prioridades

Há menos de três semanas, escrevemos em editorial, a propósito dos primeiros planos para aplicar os 12,9 mil milhões de euros de subvenções europeias, que as prioridades do Governo estavam erradas. Porque mobilizavam o essencial do investimento para o Estado e a Administração Pública, quando o maior problema do país “não é a qualidade do Estado ou dos seus serviços”, mas “a persistência de uma economia frágil e, em muitas áreas, anacrónica”. E sublinhávamos o erro dessa intenção dizendo que “um Estado de primeira com uma economia de terceira será sempre uma receita ideal para a persistência da pobreza, para o défice e a dívida e, em última instância, para a nossa dependência externa”.

Na versão deste capítulo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que o Governo apresentou esta quarta-feira em Lisboa e levou no dia seguinte a Bruxelas, boa parte destes receios dissipou-se. O primeiro-ministro deu conta de “evoluções que fizemos tendo em conta algumas críticas, designadamente a necessidade de haver um reforço do investimento na área empresarial”. Não se sabe se esse reforço passa apenas pela crença de que basta haver investimento público para as empresas executarem ou se implica também apoios reais à transformação digital ou à descarbonização, de acordo com as regras europeias. Sabe-se, sim, que houve uma mudança no discurso. Ao ponto de António Costa ter admitido que o Governo considera a possibilidade de recorrer aos empréstimos europeus, que tinha recusado, para investir 1250 milhões de euros na capitalização de empresas e no Banco de Fomento.

A área da economia, afastada das prioridades políticas por um Governo forçado a negociar temas de uma esquerda que não esconde a sua aversão à iniciativa privada, não pode ficar apenas circunscrita às moratórias ou aos créditos fiscais ou aos layoffs. O PRR é uma oportunidade única para que o país aproveite o seu potencial de recursos humanos e encontre alternativas aos sectores que sobrevivem à custa da precariedade e dos salários baixos. Juntamente com apoios à transição para uma economia moderna e sustentável, é indispensável que o Governo seja capaz de equilibrar as apologias do Estado e dos apoios sociais com uma preocupação profunda com a criação de riqueza capaz de sustentar as políticas públicas e a protecção social.

Depois do “abanão” com o alerta para o avanço da pandemia, o Governo decidiu no mesmo dia dar outro “abanão” ao discurso “Estado-cêntrico” do Bloco e do PCP e reequilibrou, mesmo que ao de leve, as suas prioridades. Não fez o suficiente para colocar o crónico problema do “atraso português” no lugar onde merece, mas, ao menos, arrepiou caminho.

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