O Orçamento do nim, sim, não

O BE isolou-se neste processo, o PCP deixou a penumbra. Os comunistas sempre foram o parceiro privilegiado de Costa e não estão fora de jogo.

O ponto a que chegaram as negociações entre o Governo e o Bloco de Esquerda está cada vez mais próximo do voto contra na discussão do Orçamento de Estado na generalidade. O BE ainda não perdoou a soberba socialista após os resultados das legislativas, que deixou o PS enfunado, convencido de que poderia prescindir do acordo parlamentar da anterior legislatura. Catarina Martins foi particularmente contundente nesta segunda-feira, ao garantir que “não há condições para viabilizar o Orçamento”, e ao relembrar que esta legislatura foi “marcada por sucessivas recusas do Governo”.

Mariana Mortágua, na sua coluna desta terça-feira no JN, reitera a insistência do BE na alteração das leis do despedimento e nas condições de financiamento do Novo Banco. Francisco Louçã, no Expresso, à semelhança de Mortágua, recorda que o Governo “não cumpriu compromissos chave de anteriores negociações orçamentais” e acrescenta que este é o momento para fazer os investimentos públicos necessários, uma vez que em 2021 não vigoram as “regras europeias da austeridade”.

Num cenário no qual o secretário dos Estado dos Assuntos Parlamentares admite “tornar público todo o processo de negociação”, para desmentir a líder do BE, quando afirmou que o Conselho de Ministros aprovou a proposta de Orçamento sem comunicar previamente o seu conteúdo, não há relação de confiança possível. Não há terapia que lhes valha.

O mais irónico é que este impasse acontece com o Orçamento de António Costa mais bloquista de sempre, que inclui várias das bandeiras do BE. Catarina Martins terá dificuldade em explicar o voto contra um orçamento que propõe várias medidas de apoio ao rendimento e que pode ser pretexto para uma inoportuna crise política.

A sobriedade cirúrgica do PCP, após a erosão eleitoral de Outubro, conferiu a Jerónimo de Sousa um espaço de manobra que Catarina Martins perdeu. O BE insiste, o PCP pondera. Num há imprevisibilidade, no outro há o contrário. O BE isolou-se neste processo, o PCP deixou a penumbra.

Os comunistas sempre foram o parceiro privilegiado de Costa e não estão fora de jogo. Jerónimo nunca se comprometeu com uma intenção de voto, protela o mais que pode a tomada de uma posição e esconde o jogo: “Não é nim, nem sim, nem não.” A aprovação do Orçamento do Estado é quando o PCP quiser. A negociação é como a luta, continua sempre.

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