Quem tem medo das mulheres?

Existirá sempre quem pretende viver no mundo do passado, esse mundo em que os homens não eram “vítimas” do feminismo, mas também as mulheres não se podiam dizer vítimas. Veja-se que a criminalização da violência doméstica é relativamente recente.

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NELSON GARRIDO

Têm sido reportadas com algum mediatismo nos últimos dias, as posições de um professor de Direito e de um seu programa curricular. Quanto a este caso, que dentro de dias será ofuscado no plano mediático, enquanto aluno formado pela mesma faculdade apenas me apraz dizer neste artigo, em tom de alento, que convivendo com a injustiça também se aprende o valor da justiça.

Problema muito mais sério é o seguinte, cuja pergunta coloco: quem tem medo das mulheres? Quem tem medo delas e do papel que elas desempenham, quem quer que elas possuam apenas um papel subalterno ou irrelevante?

Vivemos num tempo em que as forças do mundo se encontram numa fase de reorganização, tanto a nível geopolítico, com a tão discutida disputa China vs EUA, as alterações de padrões comerciais (a ascensão das tecnológicas, alavancadas em dívida, colocando em causa certos “cânones”), as a alterações culturais (a ascensão do streaming e toda a economia da atenção associada). Por que razão neste período de profundas alterações (que pretendem definir o futuro) vemos surgir novamente posições sexistas, machistas, racistas, ou outras, todas com o ar bafiento do passado, que arrisco-me a dizer, esperando não estar errado, a grande maioria da população jamais concorda?

Não existe uma só razão capaz de explicar por que motivo existem entre nós quem pretende retroceder, pretendendo voltar ao “paraíso antigo e perdido” do machismo, do sexismo e demais construções demenciais.

Mas uma das possibilidades explicativas é o facto de que, da mesma forma que nos tempos actuais que vivemos certos países se vêem ameaçados na posição que ocupam (ocupavam?), quer geopolítica (caso dos EUA na disputa com a China), quer de modelos de negócio que se vêem questionados (caso dos fabricantes de automóveis em comparação com a Tesla, por exemplo), quer de gigantes do entretenimento que se vêem ameaçados (caso dos gigantes de Hollywood que se sentem ameaçados por empresas como a Netflix), também infelizmente existe quem considere que os tempos de outrora, no qual as mulheres por diversos factores e razões não faziam de facto parte com pleno direito da sociedade vigente, são tempos que merecem ser vividos e retornados.

Existe sempre, e infelizmente sempre existirá, quem vendo o mundo em que acredita sendo posto em causa, em vez de se adaptar, pretenderá antes insistir nos erros do passado, passado esse que considera melhor que o presente ou o futuro vindouro. Vemos isso a acontecer em diversos casos, quer os que acham que o melhor era fechar as fronteiras, como quem acha que o melhor era as mulheres ficarem em casa à espera que o marido chegue, para lhe colocarem a mesa a postos para o jantar.

A luz da esperança assenta no seguinte: a maior prova que vivemos numa sociedade com uma tolerância cada vez menor para as desigualdades e discriminações assenta no facto de que consideramos aberrante existirem certos ideais a tentar ainda vingar, sendo prova disso o impacto mediático deste caso e de tantos outros.

Temos de perceber que existirá sempre quem pretende viver no mundo do passado, esse mundo em que os homens não eram “vítimas” do feminismo, mas também as mulheres não se podiam dizer vítimas. Veja-se que a criminalização da violência doméstica é relativamente recente.

Todas as ideias que defendem o passado nefasto, com brilhantina, tentando fazer passar por um tempo glorioso, só se combatem com ideias de futuro e de progresso. As ideias que advogam o passado surgem assentes em leituras erradas do passado, as ideias que defendem o progresso e o futuro, assentam quase sempre nas lágrimas, no sofrimento e nas dificuldades das vítimas desses passados.

Não podemos deixar apagar a memória de todo o sofrimento das vítimas do passado, de maneira a que ninguém se aproveita dessa amnésia histórica para nos fazer recuar a ela, e assim, ao invés de recordarmos esse sofrimento, acabarmos a experimentar esse sofrimento na própria pele.

Porque não tenho medo do futuro, não tenho medo das mulheres, que merecem viver o presente e o futuro, sem discriminações ou desigualdades, por elas, e por todas as que no passado não puderam.

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