A falta de professores e o bloqueio da formação

Convém sublinhar que, se for necessário volta a contratar professores insuficientemente ou deficientemente qualificados, não se deverá a qualquer fator de crescimento inesperado ou incontrolável, mas a simples incompetência política.

As notícias sobre a falta de professores em algumas áreas têm-se sucedido (inglês, matemática, geografia, informática, etc.). Já não têm conto as vezes que a OCDE e alguns organismos da União Europeia alertaram para o envelhecimento da classe docente em Portugal. De acordo com o recente relatório Education at a Glance 2020, mais de metade dos docentes têm mais de 50 anos e somente 1% (um por cento, por extenso, para que não haja enganos) tem menos de 30 anos!

A tragédia está anunciada há alguns anos, mas nada, mesmo nada, se fez para fazer face ao problema.

O sistema de recrutamento e colocação de professores continua a mesma inacreditável confusão de sempre (tendo até sido eliminados alguns dos avanços introduzidos na primeira década do século) e o pipeline de abastecimento do sistema, a formação de professores, foi completamente entupido e parcialmente desmontado.

Com o irromper do século XXI foi propalada a ideia de que havia professores a mais em Portugal. Esta ideia foi amplamente “vendida” por economistas, políticos e jornalistas e até por organizações de docentes, apresentando os resultados dos concursos de recrutamento como a prova do “desemprego” de dezenas de milhares de “professores”. Tal visão penetrou profundamente nas famílias e nos jovens e provocou uma retração da procura da formação e qualificação de professores.

A natureza e organização da formação e qualificação também se alterou, não só em consequência dessa retração da procura, mas, também, em sequência da reorganização do ensino superior provocada pela reforma de Bolonha, apesar das boas intenções da mesma. Assim, acabaram as bem-sucedidas licenciaturas em ensino das universidades e das escolas superiores de educação e foram substituídas por um confuso sistema de dois ciclos (licenciatura +mestrado), que conduziu à drástica redução do número de candidatos à formação docente, além de ter piorado significativamente a qualidade da formação prática dos novos professores.

Eu, pecador me confesso porque, apesar de prenunciar este possível resultado, acabei por aceitar, no exercício das funções que então desempenhava, o novo modelo. Mas convirá dizer que o mesmo só ficou assim definido porque o Ministério da Ciência e Ensino Superior (MCTES) se opôs irredutivelmente a que o modelo de mestrado integrado fosse usado na formação de professores, apesar da história de sucesso do anterior modelo integrado na formação dos professores. Mas, a verdade é que o MCTES só queria o mestrado integrado para formações mais “nobres” e não permitiu a sua aplicação à formação de professores.

Em 2014, o ministro Nuno Crato aproveitou para pôr mais uma pedra neste caixão, ao rever os perfis de qualificação dos professores e arrumar de vez com a formação de professores de 2.º ciclo do ensino básico (e também do 3.º) nas Escolas Superiores de Educação (ESE).

Convém referir que 90 % dos professores que exercem atualmente funções naquele ciclo de ensino (e também no 1.º e na educação pré-escolar e ainda em parte significativa no 3.º ciclo) e a quem se devem, portanto, os excelentes resultados de Portugal no PISA nos últimos 15 anos (como os políticos gostam de dizer quando querem agradar aos professores), foram formados nas ESE, nos últimos 30 anos, através do modelo das licenciaturas em ensino. Hoje praticamente não há qualquer formação de professores para o 2.º ciclo, porque as ESE dela foram afastadas e as universidades também não a fazem!

Aliás, convém dizer que tais decisões levaram ao quase desaparecimento da formação de professores das únicas instituições (ESE) expressamente criadas e especializadas para a formação de professores. Hoje subsistem apenas alguns cursos de educação básica e são menos de 20% os alunos das ESE que frequentam cursos de formação de professores.

Em suma, tudo isto conduziu a:

  • Esvaziamento da procura de cursos de formação professores;
  • Esvaziamento das escolas de formação de professores;
  • Desaparecimento quase total da formação de professores do 2.º ciclo;
  • Significativa redução da formação de professores do 3.º ciclo e ensino secundário;
  • Significativa redução da formação de professores do 1.º ciclo;
  • Significativa perda de qualidade da formação (designadamente da componente pedagógica e prática);

E agora estão a descobrir que não haverá professores suficientes nos próximos anos?

Há muito tempo que a situação é percetível e, na verdade, o problema só não é já catastrófico, devido ao adiamento da idade de reforma dos professores que mantém no sistema milhares de professores que já teriam saído. Mas, é óbvio que o tempo escasseia e vamo-nos aproximando da situação de ter de recuar aos anos 70/80 do século passado e voltar a contratar docentes insuficientemente e/ou deficientemente qualificados. Mas, convém sublinhar que, se tal vier a suceder, não se deverá a qualquer fator de crescimento inesperado ou incontrolável, mas a simples incompetência política.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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