Saúde mental: o lugar onde todos somos iguais

Neste Dia Mundial da Saúde Mental, importa lembrar que mesmo a situação para a qual parece não existir saída pode, afinal, ter uma solução. Procurar ajuda é sempre o primeiro passo. Sem vergonha, sem receios, sem pudores. Porque não há saúde sem saúde mental!

Hoje, dia 10 de outubro, comemora-se o Dia Mundial da Saúde Mental, este ano dedicado ao tema “Saúde mental para todos: Maior investimento, maior acessibilidade”. Face à realidade atual, a escolha do tema não poderia ter sido mais apropriada, já que são diversos os desafios que se colocam relativamente ao acesso aos serviços de saúde mental.

Para que a saúde mental possa ser encarada como um direito de todos importa, antes de mais, procurar combater o estigma que à mesma (ainda) se encontra associado. Assim, e porque é essencial desfazer alguns mitos, desde logo há que explicar que tal como, por exemplo, a doença cardíaca é uma doença do coração, a doença mental é uma doença do cérebro que se reflete nos pensamentos, nos comportamentos e/ou nas emoções das pessoas que dela sofrem. De igual modo é fundamental enfatizar que, tal como acontece com outras doenças, a doença mental nem sempre tem cura, mas tem tratamento, e que esse tratamento não se centra exclusivamente na medicação.

Faço neste ponto uma pausa para reflexão: é amplamente sabido que à medicação se deve associar a psicoterapia para que o tratamento da doença mental seja otimizado. A título de exemplo, uma pessoa com depressão reativa a um acontecimento de vida negativo pode efetivamente melhorar o seu humor com recurso a medicação, mas se não desenvolver estratégias para lidar com a situação é mais provável que, no futuro, face a situações semelhantes, venha a desenvolver um novo episódio depressivo. A verdade é que, em Portugal, de acordo com o relatório “Sem mais tempo a perder – Saúde mental em Portugal: um desafio para a próxima década”, publicado em 2019 pelo Conselho Nacional de Saúde, continua a existir um elevado consumo de psicofármacos (era, em 2017, o país da OCDE com maior volume de vendas de ansiolíticos), sendo que a grande maioria dos casos de depressão e ansiedade são tratados exclusivamente com recurso a medicação ao nível dos Cuidados de Saúde Primários. Tal deve-se, entre outros aspetos, à escassez de alternativas terapêuticas, nomeadamente psicoterapia, neste nível de cuidados, e coloca-nos a questão: será que existe, efetivamente, a igualdade desejável no acesso aos cuidados de saúde mental em Portugal?

Ainda que o aumento da acessibilidade a psicoterapia seja uma questão premente e, quiçá, urgente, as necessidades de investimento não ficam por aqui. É também essencial que se realize uma aposta séria em programas estruturados e acessíveis a todos de promoção da literacia em saúde mental, de promoção da saúde mental e de prevenção da doença mental e, num modelo de intervenção que se pretende, cada vez mais, que seja de base comunitária, é imprescindível o reforço dos recursos humanos. Recorde-se que, em Portugal, 81,8% das pessoas com doença mental ligeira, 64,9% das pessoas com doença mental moderada e 33,6% das pessoas com doença mental grave não recebem qualquer tipo de tratamento.

A doença mental não escolhe sexo, idade, etnia, cor de pele, orientação sexual ou classe social. Sempre que esquecemos isso, importa que nos relembremos de casos célebres, como os de Robin Williams, Kurt Cobain ou, mais recentemente em Portugal, Pedro Lima, que cometeram suicídio. Em comum têm o facto de serem homens, em idade laboral, caucasianos, heterossexuais e com uma situação socioeconómica estável. Porém, existe muito mais para além daquilo que se vê ou, num discurso mais adaptado aos dias de hoje, existe muito mais para além daquilo que se partilha nas redes sociais. A imagem de uma vida perfeita, não raras vezes meticulosamente construída, pode não ser mais do que uma máscara que esconde a insuportável dor psíquica que se sente.

Por isso, neste Dia Mundial da Saúde Mental, importa lembrar que mesmo a situação para a qual parece não existir saída pode afinal ter uma solução, já que por vezes, mais difícil do que a situação em si mesma, é a forma como a encaramos. Como tal, procurar ajuda é sempre o primeiro passo. Sem vergonha, sem receios, sem pudores. Porque não há saúde sem saúde mental!

Presidente da Mesa do Colégio da Especialidade de Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica da Ordem dos Enfermeiros

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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