Nobel da Paz para o Programa Alimentar Mundial, a “melhor vacina contra o caos”

Agência humanitária da ONU ganhou o galardão pelos esforços na luta contra a fome e pelo apoio às populações de zonas de conflito ou afectadas por secas, cheias e furacões, durante o período crítico da pandemia.

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Refugiados do Sudão do Sul descarregam alimentos do Programa Alimentar Mundial da ONU em Moyo, no Uganda REUTERS/James Akena
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Sede do PAM, em Roma (Itália) Reuters/REMO CASILLI
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Ajuda alimentar do PAM em Herat, no Afeganistão EPA/JALIL REZAYEE
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Berit Reiss-Andersen, presidente do Comité Norueguês do Nobel, revelou o nome do vencedor de 2020 Reuters/NTB,Reuters/NTB
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Funcionários do campo de refugiados de Kakuma, no Norte do Quénia, organizam carregamento do Programa Alimentar da ONU EPA/DAI KUROKAWA,EPA/DAI KUROKAWA

O Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas (PAM) foi galardoado esta sexta-feira com o Prémio Nobel da Paz de 2020. A agência humanitária foi condecorada pela liderança no combate à fome em todo o mundo e pelo papel importante que desempenhou no apoio às populações que vivem em zonas de conflito ou em partes do globo afectadas por fenómenos climáticos extremos.

Em tempos de pandemia e numa altura em que vários países e regiões se deparam com o agravamento do cenário socioeconómico, com a redução dos orçamentos para as organizações humanitárias e com o crescimento dos movimentos nacionalistas, proteccionistas e antidemocráticos, o Comité Norueguês do Nobel viu no PAM um bom exemplo dos méritos da abordagem “multilateralista” que entende ser fundamental para se encarar o futuro.

“A necessidade de solidariedade internacional e de cooperação multilateral é hoje mais evidente que nunca”, numa altura em que o “populismo” e “as políticas nacionalistas” estão a aumentar, disse Berit Reiss-Andersen, presidente do Comité Norueguês, justificando a entrega do 101.º Prémio Nobel da Paz ao PAM por este ser “uma força impulsionadora nos esforços para prevenir a utilização da fome como uma arma de guerra e conflito”.

Em conferência de imprensa, esta sexta-feira, Reiss-Andersen sublinhou que a covid-19 veio “contribuir para um aumento do número de vítimas de fome em todo o mundo” e defendeu que, “enquanto não chega o dia em que teremos uma vacina médica” para travar a doença, “a alimentação é a melhor vacina contra o caos”.

Segundo os dados da ONU, há 690 milhões de pessoas (cerca de 8,9% da população mundial) em situação de fome. Devido ao impacto económico da crise provocada pelo vírus SARS-CoV-2, a organização mundial estima, porém, que mais de 130 milhões de pessoas estejam em risco de se juntar a esse grupo, durante este ano de 2020.

“O mundo corre o risco de sofrer uma crise de fome de proporções inconcebíveis se o PAM e outras organizações de assistência alimentar não receberem o apoio económico de que necessitam”, alertou Reiss-Andersen.

Responsabilidade e acção

O Programa Mundial Alimentar é uma agência da ONU, fundada em 1961, com sede em Roma (Itália). É a maior organização humanitária a nível mundial e presta assistência a 97 milhões de pessoas, distribuídas por 88 países.

Num dia normal, lê-se no site da agência, o PAM tem cerca de 5600 camiões, 30 navios e 100 aviões em movimento, que transportam comida e outro tipo de assistência humanitária para quem precisa.

Durante os períodos mais críticos do confinamento, imposto por vários países por causa da propagação de covid-19, foi o PAM que assumiu grande parte das responsabilidades humanitárias a nível mundial e acorreu às necessidades das populações mais isoladas.

“As restrições globais e nacionais impostas por causa da covid-19 encerraram tudo. Mas o PAM assumiu as suas responsabilidades e foi capaz de conectar as comunidades. A determinada altura, quando a maioria ou quase todas as companhias aéreas comerciais estavam paradas, nós fomos a maior companhia aérea do mundo”, contou Tomson Phiri, porta-voz do PAM, citado pela Reuters.

Ao dia de hoje, as situações de maior emergência alimentar identificadas pelo PAM encontram-se na República Democrática do Congo, na Nigéria, no Sudão do Sul, na região do Sahel, na Síria e no Iémen. O Afeganistão também é um país crítico para o PAM.

Apesar do contributo deste tipo organizações e agências no promoção da segurança alimentar e do compromisso assumido por dezenas de países para se erradicar a fome até 2030, a ONU teme que, ao ritmo como os conflitos armados, as alterações climáticas e as crises económicas têm vindo a desenrolar-se nos últimos anos, o número de pessoas em situação de fome chegue aos 840 milhões já em 2025.

“Sem palavras”

David Beasley, director-executivo do Programa Alimentar Mundial, reagiu à conquista do prémio – que vem acompanhado por dez milhões de coroas suecas (cerca de 960 mil euros) – dizendo que este é “um reconhecimento incrível da dedicação da ‘família PAM’”.

No vídeo que acompanha a mensagem escrita no Twitter, Beasley confessou ser a “primeira vez na vida” que ficou “sem palavras”, mas disse que os membros da organização espalhados pelos “lugares mais difíceis e complexos do mundo” mereceram este prémio.

Líderes políticos de todo o mundo congratularam o PAM pelo Nobel da Paz. Por cá, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, considerou que a condecoração é um “reconhecimento justo” e “necessário” e deixou um apelo aos que têm mais recursos, para que contribuam mais para a causa.

“Este reconhecimento mundial é justo, necessário e um apelo a todos, a começar pelos mais ricos – países, pessoas e instituições –, que têm de contribuir muitíssimo mais para os mais pobres, dependentes e explorados por todo o mundo”, defendeu o chefe de Estado português, numa visita a um hospital em Braga, esta sexta-feira, citado pela Lusa.

Para a edição deste ano do consagrado galardão estavam nomeadas 211 pessoas e 107 organizações, onde se destacavam a activista ambiental Greta Thunberg, o opositor político russo, Alexei Nanalny, e a Organização Mundial de Saúde. 

A cerimónia de entrega do prémio terá lugar em Oslo, capital da Noruega, no dia 10 de Dezembro – o aniversário da morte do químico sueco Alfred Nobel, que idealizou a entrega destes prémios de mérito.

O Programa Alimentar Mundial sucede a Abiy Ahmed Ali, primeiro-ministro da Etiópia, que venceu o Nobel da Paz em 2019, pelos seus esforços para “alcançar a paz e a cooperação internacional”, através dos acordos de paz com a vizinha Eritreia.

Semana de prémios

O primeiro Nobel deste ano foi anunciado na segunda-feira, com o Nobel da Medicina atribuído a três cientistas – o norte-americano Harvey J. Alter, o britânico Michael Houghton e o norte-americano Charles M. Rice – pela descoberta do vírus da hepatite C.

Na terça-feira, foi a vez de se premiarem os avanços no mundo da Física, com o prémio desta categoria a ser dividido a meio: uma metade para o britânico Roger Penrose, pela descoberta de que os buracos negros são uma previsão robusta da teoria da relatividade geral de Albert Einstein, e a outra metade para o alemão Reinhard Genzel e a norte-americana Andrea Ghez, pela descoberta do objecto compacto supermaciço que está no centro da nossa galáxia.

O Prémio Nobel da Química de 2020 foi atribuído a Emmanuelle Charpentier e a Jennifer A. Doudna, pelo desenvolvimento de um método de edição do genoma, o CRISPR/Cas9. Trata-se de tesouras genéticas que conseguem manipular directamente o ADN de forma fácil e precisa.

Quinta-feira, o comité Nobel atribuiu o Prémio Nobel da Literatura à poeta norte-americana Louise Glück, pela “sua inconfundível voz poética, que com austera beleza torna universal a existência individual”. Actualmente a viver em Cambridge, Massachusetts, nos EUA, Glück, de 77 anos, é professora de Língua Inglesa na Universidade de Yale.

O Nobel da Economia será conhecido na próxima segunda-feira (12 de Outubro). Atribuído anualmente, o Prémio Nobel distingue pessoas ou organizações que contribuíram de forma excepcional nas diversas áreas referidas.

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