Estereótipos de género e sprites

Talvez seja tempo de assumirmos que, efectivamente, os estereótipos de género continuam ao nível dos sprites: ainda são invisíveis ao “olhar” de grande parte das pessoas.

Foto
daniel rocha

Há pouco tempo vi um programa televisivo que falava do fenómeno dos sprites, que são flashes luminosos, alongados, vermelhos e maciços que aparecem directamente acima das trovoadas. As suas estruturas podem estender-se do topo das nuvens para altitudes de quase 95 km.

Neste momento estarão a pensar: qual a relação entre os sprites e os estereótipos de género? Vários estudos têm mostrado que os estereótipos de género influenciam fortemente e, por vezes, de forma decisiva, o comportamento dos indivíduos, na medida em são representações generalizadas acerca do que os homens e as mulheres devem ser (traços de género) e fazer (papéis de género). Por outro lado, e se analisarmos etimologicamente o termo estereótipo, verifica-se que vem das palavras gregas stereo (rígido) e tipo (traço), significando “tornar fixo, inalterável”. Isto é, os estereótipos de género são construídos socialmente, amplamente difundidos e apresentados como relativamente inalteráveis. 

Vários estudos levados a cabo em Portugal e na Europa têm apontado para o forte carácter normativo dos estereótipos de género. Por exemplo, numa investigação (Alison Phipps, 2007) levada a cabo na Grã-Bretanha sobre o discurso relativo à capacidade das mulheres desempenharem profissões tecnológicas chegou-se ao seguinte esquema:

Foto
Re-inscribing gender binaries: deconstructing the dominant discourse around women's equality in science, engineering, and technology (Alison Phipps, 2007)

Através deste exemplo, verifica-se que os traços e papéis atribuídos a homens e mulheres apresentam duas características:

  • Por um lado, constituem um esquema binário, praticamente antonímico que se traduz na ilusão de simetria e/ou complementaridade entre mulheres e homens;
  • Por outro lado, indicam que o referente universal ligado aos valores dominantes, são masculinos, ou seja, as características atribuídas aos homens têm um peso social mais positivo do que as atribuídas às mulheres (ex.: ser “racional” versus “emotiva”; “confiante” versus “insegura”, etc.).

No entanto, ainda hoje, em pleno século XXI se lêem artigos onde autoras e autores negam o carácter normativo dos estereótipos de género e ridicularizam o seu impacto na vida de mulheres e de homens. Ou seja, no que concerne especificamente à igualdade de género, o próprio processo de estereotipia nem sempre é reconhecido. É aquilo a que eu chamo de “fenómeno sprite”. É que os sprites apesar de serem fenómenos luminosos vermelhos, com mais de 95 km, raramente são visíveis a olho nu. Apesar de enormes, são praticamente invisíveis.

Fazendo uso das palavras de Lígia Amâncio:

Talvez seja tempo de assumirmos que, efectivamente, os estereótipos de género continuam ao nível dos sprites: ainda são invisíveis ao “olhar” de grande parte das pessoas. Impõe-se, mais do que nunca, tornar visível o que ainda é invisível e isso implica “desocultar” os estereótipos de género e o impacto que os mesmos têm na vida de mulheres e de homens.

Sugerir correcção