Como é que o cérebro dos cães vê os rostos dos humanos?

Equipa de investigadores descobriu algumas semelhanças e diferenças na forma como os cérebros humanos e os dos cães processam informações visuais sobre os outros. O cérebro dos cães não reage de maneira diferente se a pessoa ou animal está de frente ou de costas. Tanto faz. Nos humanos essa distinção é decisiva.

Alguns dos cães que participaram neste trabalho
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Alguns dos cães que participaram neste trabalho Enik? Kubinyi/Universidade Eötvös Loránd
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Francisco Romão Pereira

Qualquer pessoa que tenha um cão na sua família é capaz de jurar que estes animais são capazes de interpretar facilmente as emoções dos humanos quando olham para eles. Porém, sem colocar em causa esta especial característica, uma equipa de investigadores na Hungria e no México descobriu que o cérebro dos cães parece ter uma forma especial de processar os rostos ou focinhos. Na verdade, os cientistas perceberam que quando se espreita para a actividade cerebral dos animais o mais importante parecer ser distinguir um animal de uma pessoa independentemente de a estarmos a ver de frente ou de costas.

Os investigadores do Departamento de Etologia da Universidade Eötvös Loránd, em Budapeste, na Hungria, usaram exames não invasivos com ressonâncias magnéticas funcionais para ver o que acontecia no cérebro de uma pessoa e de um cão quando eram confrontados com uma face. O estudo contou com 20 participantes de quatro patas e 30 humanos e foi publicado esta semana no The Journal of Neuroscience. Cães e pessoas assistiram a várias sequências filmes curtos com rostos de pessoas e outros cães e também com imagens que mostravam apenas as suas cabeças (ou seja, de costas e sem o rosto visível).

“Os rostos são fundamentais para a comunicação visual em humanos, que possuem uma rede neural dedicada para o processamento facial”, começa por explicar o comunicado de imprensa sobre a investigação. Os sinais da actividade cerebral dos cães não desmentiram também que estes animais prestam atenção aos rostos, são bastante eficazes no contacto visual e na leitura das emoções faciais e recorrem ainda “à leitura” de outros sinais do nosso corpo para esta comunicação.

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Enik? Kubinyi / Eötvös Loránd University

O estudo foi o resultado de um trabalho que uniu a equipa da Hungria aos investigadores do Instituto de Neurobiologia da Universidade Nacional Autónoma do México. Tal como já referimos, foram encontradas semelhanças e diferenças na forma de processar no cérebro este tipo de informação que vemos nos rostos (ou focinhos). Assim, os cientistas perceberam que algo que as pessoas partilham com os cães é o facto de possuíram determinadas áreas cerebrais que reagem de maneira diferente quando são confrontados com uma imagem do indivíduo da sua espécie ou não. Ou seja, nos dois casos o cérebro usa determinadas áreas para processar imagens diferentes.

Em 2014 a mesma equipa publicou os resultados de um estudo que mostrou que os cães possuem, tal como nós, áreas do seu cérebro dedicadas ao processamento da voz – e ainda que, tal como o nosso, o seu cérebro é sensível às características vocais das emoções.​ Os resultados desse trabalho – que foi o primeiro estudo comparativo das funções cerebrais dos seres humanos e de animais não primatas  adiantavam que essas áreas cerebrais surgiram há pelo menos 100 milhões de anos, que é a idade do último antepassado comum dos humanos e dos cães.​

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Enik? Kubinyi / Eötvös Loránd University

Antes, o nosso grupo de investigação já tinha mostrado uma correspondência semelhante entre cérebros de cães e humanos para processamento de voz. Agora vemos que a sensibilidade à espécie é um importante princípio organizador no cérebro de mamíferos para processamento de estímulos sociais, tanto na modalidade auditiva quanto na visual”, explica Attila Andics, um dos principais autores do estudo, citado no comunicado. Para estes dois estudos, a equipa treinou os cães a deitarem-se e a permanecerem totalmente quietos dentro de um aparelho de ressonância magnética, o que lhes permitiu realizar a mesma experiência de visualização da actividade cerebral nos participantes humanos e caninos

Mas, claro, no que se refere ao reconhecimento de rostos também foram encontradas diferenças. Neste estudo mais recente, os investigadores não conseguiram encontrar as áreas cerebrais que ajudam os cães a interpretar se a imagem que estão a ver é um rosto e um focinho ou uma parte de trás da cabeça. No cérebro dos cães, o mais decisivo parece ser perceber se se trata de um cão ou de uma pessoa, independentemente de estar de frente ou de costas.

Já nos humanos “esta é uma distinção decisiva”. As pessoas exibiram uma resposta marcadamente mais forte quando eram confrontadas com os rostos. Ver uma face importa para os humanos e corresponde a uma actividade cerebral específica. Esta descoberta demonstra que podem existir diferenças substanciais na especialização cortical, de determinadas áreas cerebrais, usada para a percepção dos rostos entre mamíferos.

“Juntas, as semelhanças na sensibilidade à espécie e as diferenças na sensibilidade facial sugerem analogias funcionais e diferenças nos princípios de organização do processamento visual-social entre cães e humanos. Esta é outra demonstração de que a neuro-imagem comparativa com espécies de mamíferos distantes filogeneticamente pode ajudar a esclarecer como as funções sociais do cérebro são organizadas e como elas evoluíram, resume Attila Andics no comunicado.

Em resumo, cães e humanos processam rostos de maneira diferente. Melhor? Pior? Diferente. O que parece certo é que os cães usam diferentes fontes de informação de diferentes formas quando comparados com os humanos, possivelmente recorrendo mais do que as pessoas à ajuda de outras pista, como os movimentos do corpo e o cheiro. E isso, mesmo sem ressonâncias magnéticas e sem olhar para as áreas do cérebro envolvidas, a maioria das pessoas que convivem com cães já suspeitava.

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