Um “princípio” mal gerido pelo primeiro-ministro

Uma declaração oficial e atempada sobre as razões da não recondução de Vítor Caldeira teria gerado debate, mas não a suspeita de que o Governo cala quem o critica.

Afinal, a decisão de não reconduzir Vítor Caldeira na presidência do Tribunal de Contas não resulta de um impulso do primeiro-ministro despeitado pela crítica duríssima às alterações propostas pelo Governo ao código de contratação pública, ou pelo eventual excesso de zelo na fiscalização dos negócios do Estado. Afinal, tratou de informar António Costa, o que está em causa é um princípio: aquele em que os presidentes de órgãos judiciais sensíveis como a Procuradoria-Geral da República ou o Tribunal de Contas não devem acumular mais de um mandato “para garantia da própria independência da função” e “para que cada um a exerça sem estar a pensar se o Governo vai repropor o seu nome e se o Presidente o vai renomear”.

É legítimo e até lógico que o primeiro-ministro tenha este entendimento. Não havendo possibilidade de recondução, os titulares de cargos fiscalizadores libertam-se das pressões de quem os nomeia. Nada terão a perder e poderão ser inteiramente livres na sua acção. Isto dito, convém perguntar por que razão não souberam os portugueses desta interpretação mais cedo e formalmente. Ou, por outras palavras, se a letra da Constituição revista em 1997 pelo PS e pelo PSD permite a renovação de mandatos ao presidente do Tribunal de Contas (e do procurador ou procuradora-geral da República), se todos os antecessores de Vítor Caldeira foram reconduzidos, por que razão não soubemos antes da posição radical do primeiro-ministro?

A tese do mandato único, explica António Costa, foi divulgada na sequência da polémica substituição de Joana Marques Vidal, após semanas de especulação sobre a opção do Governo. O primeiro-ministro diz que, nessa altura, o princípio ficou consagrado e a sua aplicação alargada a “este tipo de funções”. No caso de Vítor Caldeira, porém, o que se sabe (por notícia do Sol) é que foi avisado por telefone há dias da sua saída e que o Presidente da República, supostamente um apoiante do princípio, não tinha sido informado. Um princípio tão radical sobre nomeações, no qual não entra o mérito, nem a experiência, nem a confiança, mereceria outra publicidade prévia.

O que nos leva a outra questão: a da dificuldade que o primeiro-ministro revela em antecipar problemas. Por cansaço ou excesso de confiança, não aplica a sua argúcia. Uma declaração oficial e atempada sobre as razões da não recondução de Vítor Caldeira teria gerado debate, mas não a suspeita de que o Governo cala quem o critica. Explicando os princípios das suas decisões depois de as decisões atearem suspeitas, o primeiro-ministro expõe-se a riscos. Se na política o que parece é, ficará sempre no ar esse receio de que o princípio serviu mais para justificar uma escolha do que para a orientar.

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