Mente de obra em vez de mão de obra barata

Sabemos que o bem de cada português em concreto não deve estar a coberto das ideologias e dos egoísmos reinantes. Aquilo que se exige aos políticos, sejam eles de esquerda ou de direita, é que concedam algo que permita que estes jovens talentosos, que agora entraram no ensino superior, tenham condições para acreditarem que é bom viver em Portugal.

No início deste ano letivo há mais 50.964 novos alunos no ensino superior em Portugal. Ainda estamos longe dos números desejados, mas o ministro Manuel Heitor tem-se empenhado em aumentar gradualmente o número daqueles que têm acesso ao ensino superior em Portugal. A primeira etapa está ganha, mas os alunos estão carregados de esperança e vencerão as restantes etapas. Daqui a três ou cinco anos, conforme os cursos, teremos mais uma leva de gente com licenciaturas e mestrados. O topo da pirâmide das boas notas foi desta vez para engenharia, em vez de medicina. Estamos finalmente no caminho certo, pois é a engenharia e a tecnologia que mais contribuem para criar a riqueza das nações. E que tem Portugal para oferecer aos futuros engenheiros? O que fazer para ir de encontro às enormes expectativas destes jovens talentosos?

Para responder de forma realista a esta questão, fui buscar as palavras que o ministro Augusto Santos Silva proferiu em Coimbra em finais de 2019, na sessão de encerramento do 8.º Fórum Anual de Graduados Portugueses no Estrangeiro (GraPE 2019), que decorreu na Universidade de Coimbra: “Pode-se esperar sentado se se supõe que o atual tecido industrial português é capaz, por si só, de perceber a vantagem de trazer a inovação para o seu seio e a vantagem em contratar pós-graduados e doutorados. É preciso mudar o tecido industrial.” Diria que foi um diagnóstico realista e pode ser alargado aos licenciados. Os representantes das empresas não gostaram e o ministro penitenciou-se. Mas acho que não seria necessário penitenciar-se depois de ter feito um diagnóstico tão assertivo. O que faria sentido era que ambas as partes interagissem em conformidade para melhorar a situação. Mas, infelizmente, continua tudo igual e, se estamos assim, é porque a maioria está conformada e os que mandam assim o querem.

Parafraseando João Miguel Tavares, “um jovem talentoso que queira singrar na carreira exclusivamente através do seu mérito, a melhor solução que tem ao seu alcance é emigrar. Isto é uma tragédia portuguesa”. Assim, e colocando números recentes nessa tragédia portuguesa, segundo um estudo da Universidade de Lisboa, em Portugal, sobretudo desde 2008, milhares de diplomados emigraram. Em 2010, nos países da OCDE, residiam mais de 145 mil; em 2015 rondavam os 200 mil. Esta “fuga de cérebros” foi o objeto da pesquisa “BRADRAMO − Êxodo de competências e mobilidade académica de Portugal para a Europa”, na qual foi estimado em cerca de 9 mil milhões de euros o investimento realizado por Portugal com a educação dos 145 mil emigrantes graduados que foi oferecido a “custo zero” aos países que os acolheram.

Sabemos que Portugal só se desenvolverá se for capaz de conceber/projetar/desenhar novos produtos vendáveis no mercado mundial, com tecnologia própria, em empresas portuguesas com ligação às Universidades/Politécnicos, através de engenheiros. Não nos desenvolveremos escancarando as portas a capitais estrangeiros, nem importando tecnologias feitas, nem fazendo inovação em processos de produção e serviços com produtos estrangeiros, como temos feito, através da mão de obra barata e intensiva.

O conhecimento em si mesmo não tem valor. O que tem valor é o que cada um faz com o conhecimento que tem. Portanto, é um imperativo nacional a valorização económica do conhecimento. Para que tal aconteça, é necessário fazer Desenvolvimento Tecnológico de novos produtos, porque sem isso é praticamente impossível haver inovação, por muita ciência que se faça e por muitos artigos científicos que se publiquem, embora sejam importantes. Para tal é imprescindível criar uma Política Tecnológica para apoiar e alargar o leque dos poucos que em Portugal fazem Desenvolvimento Tecnológico. Não querendo ser demasiado pretensioso, penso que esta é a única via para nos desenvolvermos, seguindo o exemplo do Japão em 1950 e da Coreia do Sul em 1980.

Sabemos que o bem de cada português em concreto não deve estar a coberto das ideologias e dos egoísmos reinantes. Aquilo que se exige aos políticos, sejam eles de esquerda ou de direita, é que, através das políticas que implementam, concedam algo que permita que estes jovens talentosos, que agora entraram no ensino superior, tenham condições para acreditarem que é bom viver em Portugal. Vários estudos demonstram que o padrão de vida de um país depende em geral da capacidade de educar um grande número de engenheiros inovadores que desenvolvam em empresas​, nomeadamente, novos produtos para enriquecer a economia do seu país e, como tal, no caso português, contribuam com mente de obra substituindo o paradigma da mão de obra barata. Caso contrário, os governantes terão de pedir emprestado ao futuro a verba para fazer face às despesas inerentes à sua governação.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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