Welfare State, Economia Social e Mutualismo

Instituições como o Montepio podem – e devem – assumir um papel relevante na construção de um Welfare State sustentável e eficiente, desde que sejam governadas com competência, verdade e transparência.

No seu livro The Welfare State in Historical Perspective, Asa Briggs (1961) propõe uma definição de Welfare State (Estado de bem-estar ou Estado-Providência) segundo a qual um “Estado de bem-estar é um Estado em que o poder organizado é deliberadamente usado (através da política e da administração) num esforço de modificar o funcionamento das forças de mercado em pelo menos três direções: primeiro, garantir aos indivíduos e às famílias um rendimento mínimo independente do valor de mercado do seu trabalho ou da sua propriedade; segundo, diminuir a extensão da insegurança permitindo aos indivíduos e famílias fazerem face a certas contingências sociais (por exemplo, doença, velhice e desemprego) que poderão levar, a seu modo, a crises individuais e sociais; terceiro, assegurar a todos os cidadãos, sem distinção de status ou classe, que seja oferecido um conjunto definido de serviços sociais, aos melhores padrões disponíveis”.

A definição proposta, ainda que sintética, dá-nos um conjunto de pistas para reflexão, permitindo-nos desmistificar alguns (pre)conceitos que existam.

Com efeito, ao propor que o Estado utilize o seu “poder organizado (através da política e da administração) num esforço de modificar o funcionamento das forças de mercado”, não rejeita o papel do mercado na sociedade nem considera incompatível a coexistência entre mercado e Welfare State. Aliás, e a este propósito, recorde-se que o Estado social moderno nasceu com o chanceler Bismarck, que, apesar de profundamente avesso a tudo o que fosse “socialismo”, integrou a classe operária alemã no contrato social, através da Lei dos Seguros de Saúde (1883), da Lei do Seguro de Acidentes de Trabalho (1884) e da Lei do Seguro de Velhice e Invalidez (1889).

De igual forma, a definição proposta não condiciona a existência de um Welfare State a um determinado “tempo” ou conjuntura económica. Na realidade, os grandes avanços do Welfare State foram dados em condições particularmente adversas. Com efeito, em plena recessão económica mundial era aprovado nos EUA o Social Security Act (1935), enquanto em França os trabalhadores tiveram direito a férias pagas (1936). Com este pano de fundo, a atual crise não pode ser motivo para a inação, devendo, ao invés, ser entendida como uma oportunidade para: a) dar uma resposta aos novos riscos sociais; b) cobrir adequadamente os riscos sociais tradicionais; e c) garantir que essa proteção é assegurada num quadro de sustentabilidade intertemporal do sistema de segurança social.

Por fim, a definição proposta por Briggs não limita nem condiciona a natureza dos agentes financiadores ou produtores desse Welfare State. A este propósito, recorde-se que, de acordo com a Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro), a prossecução dos objetivos da Segurança Social deve ser tarefa não apenas do Estado mas também, e preferencialmente, “das pessoas, famílias e de outras instituições não públicas” – princípio da subsidiariedade (art.º 11.º) –, respeitando, claro está, o princípio da complementaridade (art.º 15.º), ou seja, promovendo a “articulação das várias formas de proteção social públicas, sociais, cooperativas, mutualistas e privadas com o objetivo de melhorar a cobertura das situações abrangidas e promover a partilha das responsabilidades nos diferentes patamares da proteção social”, num quadro de “autonomia das instituições, tendo em vista uma maior aproximação às populações” – princípio da descentralização (art.º 17.º).

Neste contexto, saliente-se a necessária articulação no âmbito da proteção na velhice, conforme referido na Lei de Bases da Segurança Social (LBSS), entre o Sistema de Proteção Social de Cidadania, o Sistema Previdencial e o Sistema Complementar, ainda que, do ponto de vista prático, a importância deste último seja muito reduzida quando comparada com o que acontece em outros países europeus.

PÚBLICO -
Aumentar

Com efeito, se as despesas em Portugal com pensões no âmbito de sistemas privados representam cerca de 2% do total das pensões pagas, este valor deverá cair para cerca de 1,5% em 2060. Ao invés, em países como a Dinamarca ou Suécia estes valores subirão de, respetivamente, 30,8% e 21,7% para 44,7% e 34,2%.

É neste quadro evolutivo que as Instituições da Economia Social, no qual se inclui o Montepio Geral Associação Mutualista (que celebrou no dia 4 de outubro o 180.º aniversário), podem – e devem – assumir um papel relevante na construção de um Welfare State sustentável e eficiente, capaz de responder às efetivas necessidades de uma sociedade em mudança acelerada.

Contudo, e para que tal possa acontecer, é condição necessária que essas Instituições sejam governadas com Competência, Verdade e Transparência. Se tal não se verificar, não só o Welfare State fica mais fragilizado como também se tornará inevitável o declínio da Economia Social, em geral, e do Mutualismo, em particular.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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