A escola faz um retrato à saúde, à democracia ou a ambas?

Com tantas e naturais incertezas da ciência, os cidadãos usaram a informação e anteciparam o isolamento social e outras medidas preventivas.

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Reuters/RICARDO MORAES

“Nada foi feito para durar. Vivemos em tempos líquidos cheios de sinais confusos, propensos a mudar com rapidez e de forma imprevisível.” Se as ideias de Zygmunt Bauman (1925-2017) já se aplicavam à escola da sociedade pré-covid, então retratam na perfeição o clima das “salas de aula” nas fases já vividas da covid-19.

Repare-se que mesmo nas décadas do tempo sólido, em que para que todas as escolas abrissem em Setembro bastavam listas das turmas e horários, a OCDE (2019) concluía: seria insuficiente se “os professores portugueses não fossem os melhores a adaptar as aulas às necessidades dos alunos” (e, já agora, acrescento que, em regra, os alunos ajudavam muito).

No tempo sólido, e apesar de políticas educativas comprovadamente contraditórias e líquidas, a sociedade desenvolveu-se, escolarizou-se e melhorou as aprendizagens dos alunos (os resultados em educação demoram duas décadas a aparecer). Aliás, no início da década de 80 do século passado estavam tão atrasadas em relação à generalidade dos países europeus que esta semana se percebeu o óbvio: progredimos mais do que a média dos já desenvolvidos. Contudo, e segundo dados de António Costa Silva, somos o “pior” país europeu na conclusão do secundário e é consensual que ainda temos muito caminho a percorrer para eliminar a pobreza e o abandono escolar precoce.

Dito isto, é compreensível que a origem das desigualdades preencha as interrogações escolares mais prementes com simples formulações: por exemplo, se o resultado de um teste à covid-19 demora entre 48 e 72 horas, e se um aluno, professor ou outro profissional da educação de uma escola pública de massas tiver sintomas fortes, e até for internado, as pessoas que integram as bolhas com quem interagiu continuam a frequentar os mesmos espaços até se saber o resultado do teste? E o procedimento é igual em todas as áreas da sociedade e até em ambientes escolares menos massificados, com outro tipo de financiamento ou num grau de ensino onde a frequência é semana sim, semana não? Ou as respostas remetem-nos para mais efeitos do tempo líquido, e que se reflectem dentro das salas de aula, e a covid-19 resume-se a mais um difícil exercício que ficará entregue à citada conclusão da OCDE e à ajuda dos alunos? Ou tudo isto é um retrato da saúde ou da democracia? Ou de ambas?

Importa sublinhar que, se havia apreensão com o modo como as democracias lidam com pandemias, a resposta dos cidadãos foi exemplar. Com tantas e naturais incertezas da ciência, os cidadãos usaram a informação e anteciparam o isolamento social e outras medidas preventivas. Para isso, foi importante a prevalência da verdade e o clima de confiança que originou. Os cidadãos não estavam para estratagemas, infantilizações nem mistificações. Revelaram maturidade na adversidade. Queriam a verdade, por mais dura que fosse. Lidaram melhor com “toda a informação”. Anteciparam as exigências e incluíram os desvios desinformados. Houve uma auto-regulação cidadã que abriu uma janela de esperança e que contrariou os efeitos dos “novos hackers de dados da Cambridge Analytica”. E se houve, com a verdade da primeira vaga, um envolvimento cidadão que fortaleceu as democracias e confinou os movimentos mais populistas e irresponsáveis, espera-se que numa possível segunda vaga a transparência volte a ser inalienável.

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