É um risco

Há uns dias recebi um telefonema. Aflito. Uma menina quis muito oferecer um ramo de flores à professora. Só que na altura de o entregar não resistiram e deram as mãos, uma à outra, e assim ficaram uns segundos. E agora? Qual era o risco?

A vida é um risco. Todos ouvimos já esta sentença, vezes sem conta. A vida é um risco. E no entanto nunca como agora procuramos vivê-la com tão pouco.

No limite, se fossemos todos capazes de viver sozinhos, isolados do mundo e uns dos outros, durante cerca de um mês e saíssemos depois desse confinamento síncrono e universal, o problema estaria resolvido. Quebraríamos a cadeia de transmissão. E a vida voltaria a poder ser como dantes. Antes da covid. Mas o que parece uma fórmula simples no papel é, na prática, impossível de concretizar. Como são algumas das recomendações que dirigimos aos lares, às instituições, às escolas.

Higiene das mãos, utilização da máscara, distanciamento físico. São os pilares sobre os quais devemos construir a nossa forma de viver, enquanto a pandemia durar. E devemos procurar aplicá-los, sim, mas não a todo o custo. Não tentando alcançar o risco zero, que nunca admitimos como objectivo, numa vida antes da covid-19, nas vidas antes desta pandemia. Devemos procurar aplicá-los, sim, mas colocando na balança outros pesos.

Tarefa difícil...Quanto pesa a solidão? De 14 dias isolado num quarto de um lar? E se forem 140 dias? Quanto pesa a tristeza de deixar de jogar às cartas no parque de todas as tardes? Quanto pesam as vidas baralhadas de quem ficou ainda mais entregue à sua própria sorte? Talvez seja melhor aliviar a carga. Mas tirar todas as bolas de todos os recreios, retirar todos os sapatos de todas as creches, desaconselhar banhos de chuveiros para quem fica ainda mais limitado ao leito, ou de chuva, para quem deixou de poder passear ao ar livre!, será a solução? Exigimos a factura mais alta aos mais novos e aos mais velhos. Tiramos futuro a uns, presente a todos.

Vivemos tempos difíceis, incertos. Também na medicina aprendemos, mudamos. Fazemos hoje tratamentos que há seis meses eram considerados contraindicados. E às vezes é difícil navegar no meio de tanta informação, tanta publicação, tanta contradição. Mas também como na medicina, há um princípio que nos deve nortear. O princípio da não maleficiência; Primum non nocere: primeiro, não prejudicar.

Temos obrigação de proteger melhor quem mais precisa do nosso cuidar. E sermos capazes de saber a quem devemos exigir mais e a quem podemos limitar menos. Esta é a 2º fase e a segunda oportunidade que temos de fazer melhor.

Há uns dias recebi um telefonema. Aflito. Uma menina quis muito oferecer um ramo de flores à professora. Só que na altura de o entregar não resistiram e deram as mãos, uma à outra, e assim ficaram uns segundos. E agora? Qual era o risco?- perguntava a avó, aflita. De transmissão do vírus? Perguntei eu. Baixo...respondi. E se higienizaram as mãos depois, se a professora estava com máscara...então praticamente zero!

Mas atenção, tinham corrido um risco maior: o de viverem uma ligação que as marcará para toda a vida. A que continuará, quando tudo isto passar.

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