Pensar demais dentro de uma caixa pequena

É tempo de abrir a caixa e de abraçar a nossa capacidade de pensar, pois um cidadão que pensa é um cidadão capaz de participar activamente na sociedade em que se insere, contribuindo positivamente para o seu desenvolvimento.

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A Filosofia — com “F” maiúsculo devido à sua imensa importância continua a ser colocada de parte, mesmo estando presente em todas as outras ciências e mesmo estando presente em tudo o que fazemos.

Quem nunca ouviu a frase ‘’não penses nisso que não vale a pena’’ pelo menos uma vez ao longo da sua vida pode considerar-se verdadeiramente privilegiado. O estigma de que pensar sobre certas questões é apenas para doidos persiste até hoje na nossa sociedade. Somos ensinados desde cedo de que não se fala, nem se pensa, sobre determinados assuntos, pois estes são o que são e não há nada para ser discutido. O pensamento é, assim, visto como um atrevimento e não como a prática comum que deveria ser.

Na escola, aprendemos sobre os grandes acontecimentos históricos, sobre o corpo humano, sobre a natureza que nos rodeia, a somar e a subtrair. Incutem-nos a importância da escrita e da leitura, mas não nos transmitem o hábito de pensar. Ensinam-nos a tratar bem o próximo, a respeitar os animais e a ser solidários, mas não nos incentivam a pensar sobre isso — simplesmente é assim e não precisamos de perceber porque é que é dessa forma.

Somos seres pensantes, temos consciência e somos capazes de problematizar todas as nossas acções, assim como os acontecimentos que vivenciamos e presenciamos diariamente. Uma criança comum, por exemplo, tende a questionar-se acerca do que a rodeia desde que aprende a falar. É nesta fase que surgem as primeiras questões sobre a vida, a morte, o bem e o mal, a natureza, entre tantos outros temas que devem ser pensados. O acto filosófico é algo natural no ser humano, sendo tão importante como o acto de ler ou de calcular. Porém, desvalorizamos o nosso pensamento em detrimento das restantes capacidades que detemos, enquanto que, na realidade, possuem todas a mesma importância.

Esta desvalorização, contudo, não é inteiramente da nossa responsabilidade individual, também a escola contribui para a sua existência. Vemos no nosso currículo disciplinas relacionadas com a escrita, matemática, história, entre outras áreas do saber, desde o primeiro ano de escolaridade. No entanto, porque é que a Filosofia só é leccionada em dois dos 12 anos do percurso escolar obrigatório?

A falta de uma disciplina que esteja presente desde cedo no percurso escolar de um aluno e que fomente a procura de mecanismos que permitam desenvolver o seu espírito crítico contribui para que se formem cidadãos incapazes de analisar criticamente o mundo em que vivem, a sociedade onde se inserem e as acções que realizam no seu dia-a-dia. Como podemos exigir uma sociedade evoluída e civilizada se não exigimos cidadãos que pensam? Mais importante do que agir, é saber agir. Do mesmo modo, saber agir não é algo que possa ser ditado, tem de ser pensado. Não basta ter as ideias se não se compreende a sua origem, ou porque são como são. Da mesma forma com que somos ensinados a ler e a contar, também o pensar poderia ser incutido nas várias valências que nos são transmitidas.

A caixa em que vivemos não tem espaço para a imensidão de pensamentos que temos e que escolhemos ignorar por não percebermos a sua relevância. O pensamento é, com efeito, visto como algo em demasia, enquanto deveria ser o contrário. É tempo de abrir a caixa e de abraçar a nossa capacidade de pensar, pois um cidadão que pensa é um cidadão capaz de participar activamente na sociedade em que se insere, contribuindo positivamente para o seu desenvolvimento.

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