55 anos do Programa Nacional de Vacinação – revisitando o seu nascimento, sucesso, evolução e desafios

A 4 de Outubro de 1965 iniciava-se o 1.º Programa Nacional de Vacinação (PNV) com o objetivo de diminuir a mortalidade infantil em Portugal, extremamente elevada quando comparada com outros países europeus e devida principalmente às doenças infecciosas, nomeadamente as evitáveis pelas vacinas então disponíveis.

O PNV foi determinante na diminuição da taxa de mortalidade infantil, atualmente uma das mais baixas da UE, decorrente das características do Programa, do seu modelo de governação e da capacidade de concretização dos seus objetivos.

O PNV é um programa universal, de grande abrangência e equidade, totalmente gratuito para o utilizador. Inclui as vacinas consideradas de 1ª linha, das quais resultam os maiores ganhos em saúde. Outra das características do PNV é a proximidade, sendo a rede de vacinação baseada essencialmente nos cuidados de saúde primários.

O modelo de governação do PNV define uma gestão a nível central, sob a coordenação da DGS, mas com competências descentralizadas a nível regional e local, o que garante a unidade do Programa, nomeadamente as mesmas vacinas em todo o país e ao mesmo preço.

O PNV é dinâmico, com introdução progressiva de mais vacinas e atualização dos esquemas vacinais em função de fatores epidemiológicos, da evolução tecnológica (com disponibilidade de cada vez mais vacinas e suas combinações) ou de nova evidência científica. O 1.º PNV incluía vacinas contra 6 doenças; o PNV 2020 protege contra 13 doenças, havendo ainda vacinas recomendadas para determinados grupos de risco.

O PNV é um programa submetido a avaliação nacional e internacional (ECDC e OMS). De entre outros destacam-se os seguinte indicadores:

1. A cobertura vacinal anual tem apresentado sustentadamente valores que permitem controlar as doenças-alvo e garantir a imunidade de grupo, apesar de atualmente as vacinas serem recomendadas, não obrigatórias.

A título de exemplo: a cobertura da vacina contra o vírus do papiloma humano (HPV) nas raparigas é das mais elevadas do mundo e da Europa, sendo expectável, num futuro mais ou menos próximo, o controlo do carcinoma do colo do útero em Portugal.

2. O impacto nas doenças-alvo demonstra os ganhos em saúde decorrentes do PNV. A título de exemplo: consolidámos a erradicação da varíola; eliminámos a poliomielite, o sarampo, a rubéola, o tétano neonatal; controlámos o tétano, a doença invasiva por meningococo C, a doença invasiva por Haemophilus influenza b, a parotidite epidémica e a tosse convulsa.

O caso do sarampo exemplifica o sucesso do PNV. O sarampo persiste na Europa porque as coberturas vacinais são insuficientes, não geram imunidade de grupo nem evitam a ocorrência de surtos. Grandes surtos europeus ocorreram em países em que a meta de cobertura vacinal de 95% não foi atingida para a primeira e muito menos para a 2ª dose, como é o caso da França ou da Itália.

Portugal é considerado pela OMS como um país com sarampo eliminado desde 2012, e é um exemplo a nível europeu: as coberturas vacinais são muito elevadas para as duas doses recomendadas, e os inquéritos serológicos demonstram a imunidade da população. No entanto, há o risco da importação de casos e da ocorrência de surtos, pelo que é muito importante manter as taxas de cobertura vacinal para a 1ª e 2ª dose muito elevadas (≥95%).

3. Os inquéritos serológicos nacionais até hoje realizados confirmam que a população tem um elevado nível de proteção contra a maioria das doenças evitáveis pelas vacinas incluídas no PNV.

No que se refere ao futuro do PNV os desafios colocam-se a 4 níveis: vacinas, vacinação, aceitação, e ainda os desafios gerados pela pandemia SARS- CoV-2

1. As vacinas são um bem finito. Só podemos vacinar se tivermos vacinas e estiver garantido o seu fornecimento contínuo. A necessidade e a aquisição de vacinas a nível mundial é cada vez maior, pelo que é desejável o alinhamento com os objetivos globais, nomeadamente as indicações da OMS.

2. Em relação à vacinação, o PNV é o programa mais antigo e mais custo-efetivo de todos os programas nacionais, solidamente implantado no terreno, alicerçado no empenho mantido dos profissionais e na confiança da população. No entanto, reveste-se de uma complexidade crescente, decorrente do desenvolvimento científico e tecnológico, das alterações do padrão epidemiológico das doenças e das pressões externas sociais e políticas. Há que garantir que a proposta técnica assente basicamente em pressupostos científicos, epidemiológicos e de custo-benefício.

Há que assegurar o adequado funcionamento do PNV no contexto de reformas no sector da Saúde. Os profissionais são os embaixadores da vacinação, apesar de serem cada vez mais os que, em virtude da sua idade e do sucesso do PNV, nunca viveram o drama das doenças evitáveis pela vacinação.

3. No que se refere à aceitação, há atualmente uma crise de confiança nas vacinas. A diminuição e o controlo das doenças evitáveis pela vacinação levou à inversão da perceção do risco, havendo pessoas que receiam mais as vacinas do que as doenças que elas previnem. É importante a avaliação das dinâmicas sociais para uma resposta adequada e atempada à hesitação em vacinar. No relatório sobre Confiança na Vacinação, elaborado no âmbito da Comissão Europeia em 2018, Portugal demonstrou ser o país que mais confia na vacinação. No entanto, as coberturas vacinais elevadas não são um indicador direto da confiança na vacinação, pois mesmo os pais que vacinam têm dúvidas e medos.

4. Quanto à pandemia é de primordial importância garantir a sustentabilidade do PNV nesta altura de crise; os surtos de doenças contra as quais existem vacinas podem ser catastróficos para as comunidades que já enfrentam os impactos da COVID-19.

E finalmente um agradecimento a todos os que, ao longo dos anos, souberam manter e melhorar o PNV! E às gerações vindouras a quem cabe o futuro do PNV, acreditem que o mais importante é “Vacinar, vacinar, vacinar”, como dizia o professor Arnaldo Sampaio, o grande impulsionador do 1º PNV!

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