Criador e ícone da moda, o japonês Kenzo morreu devido à covid-19

O designer de moda Kenzo Takada, fundador da marca Kenzo, cujo director criativo é hoje o português Felipe Oliveira Baptista, morreu aos 81 anos, devido à covid-19. Foi um dos grandes revolucionários da moda, apostando em motivos gráficos e elementos coloridos, num encontro entre Oriente e Ocidente.

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O designer de moda japonês Kenzo Takada na inauguração de uma das suas exposições de pintura Tobias Hase/EPA

Ícone da moda, figura emblemática da sua transformação durante a segunda metade do século passado, e um dos primeiros japoneses a impor-se no cenário internacional, morreu este domingo, em Paris, o designer de moda Kenzo Takada, infectado pelo novo coronavírus.

O fundador da marca Kenzo, conhecida pela roupa, perfumes e objectos de design, tinha 81 anos. O óbito foi confirmado por um porta-voz citado pela AFP. “Kenzo Takada faleceu no domingo, 4 de Outubro de 2020, no Hospital Americano de Neuilly-sur-Seine na sequência de covid-19”, lê-se. A sua morte coincide com a semana de moda de Paris.

Foi o primeiro grande criador de moda japonês a conquistar a capital francesa, abrindo dessa forma as portas do mercado internacional a outros compatriotas como Yohji Yamamoto e Issey Miyake, que nos anos 1980 acabaram por revolucionar a indústria da moda com os seus desenhos conceptuais e arquitectónicos, cortes inventivos, autênticas peças experimentais com uma carga artística dramática que continua a inspirar criadores na actualidade. E não apenas na moda. Na música, design e artes plásticas também.

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Kenzo Takada com Andy Warhol

O designer, que vendeu a marca à gigante LVMH em 1993 e se retirou da moda em 1999, era conhecido também pelos estampados gráficos, vegetais e florais, e pela intensa mistura de cores, aludindo ao exotismo, às mestiçagens culturais, com o Oriente, África, o Ocidente e a Europa a cruzarem-se nas suas criações. Características que ainda hoje se perpetuam. Desde Junho de 2019 que o director criativo da Kenzo é o português Felipe Oliveira Baptista, tendo-se estreado nos desfiles parisienses em Fevereiro deste ano. “O seu optimismo, alegria de viver e generosidade continuam a ser os pilares desta casa”, pode ler-se no Twitter da Kenzo, a propósito da morte do fundador.

Nascido a 27 de Fevereiro de 1939 em Himeji, perto de Osaka, Takada formou-se na Tokio Bunka Fashion College, instalando-se depois em Paris, em 1965, seguindo os passos de uma das suas referências, Yves Saint Laurent. Não falava francês, não conhecia ninguém, mas ficou. “Quando deixei o Japão pensava ficar em França seis meses, mas estou muito contente por esta estadia se ter prolongado por 50 anos e ainda não ter terminado”, dizia à imprensa em 2016, na altura em que foi condecorado pelo Estado francês. Sem grandes recursos confeccionou a primeira colecção em 1970, logo aí definindo a sua identidade, recriando kimonos, e apostando nos  jogos de cor e estampados de carga gráfica, criando peças livres e poéticas, distante do que era a norma na Paris dessa época. “Queria sair do quotidiano e entrar num sonho”, haveria de caracterizar mais tarde a sua acção. 

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A credibilidade e a fama definitiva chegaram no final dos anos 1970, não só pelas suas criações exploratórias, mas também pelos excêntricos desfiles, alguns deles célebres. É o caso de um que aconteceu em 1977, em Nova Iorque. Amigo de Andy Warhol, organizou um autêntico espectáculo de moda na mítica discoteca Studio 54, com a cantora Grace Jones como apresentadora e a actriz Jerry Hall como uma das atracções. Mas não era apenas alguém inventivo, era também um empresário perspicaz, sendo um dos primeiros a lançar uma linha de perfumes em 1988, uma das mais sólidas do sector ainda hoje.

Em 1993 o conglomerado de empresas de luxo LVMH – proprietário da Dior, Louis Vuitton ou Givenchy – adquiriu a sua marca e seis anos depois retirou-se para fugir do ritmo infernal das colecções e concentrar-se na sua faceta artística, em particular a pintura, a sua primeira grande paixão. Na altura afirmou: “No mundo da moda é preciso ter uma equipa numerosa, com costureiros, figurinos, muita gente, mas na pintura é tudo mais livre. Por outro lado, quero viajar, ver amigos, gozar a vida, depois de mais de 30 anos de intensa carreira.”

Para além das exposições de pintura, nos últimos anos dedicou-se a outros projectos pontuais – lançou no inicio de 2020 uma nova marca de design de interiores, a k3 – e, em 2009, fez questão de se desfazer da sua colecção de arte asiática, mobiliário e roupa, através de um leilão, com um espólio avaliado em dois milhões de euros. Na altura afirmou: “Quero virar uma página e viver de maneira diferente, de forma mais livre e mais leve.” Muito discreto na sua vida pessoal, não era assíduo em desfiles, nem em eventos do mundo da moda. Da mesma geração que Valentino ou Armani, ao contrário destes, tendia a desaparecer de cena, sendo raras as fotos suas de acontecimentos sociais. 

Hoje a marca Kenzo continua bem activa. O espírito Oriental, carregado de sensibilidade e delicadeza, continua presente, embora agora dirigido a um público mais jovem. O ano passado o designer de moda português Felipe Oliveira Baptista foi nomeado seu director criativo, tendo a última colecção sido apresentada há dias, a 30 de Setembro, em plena semana da moda de Paris. Por estes dias, na capital francesa, o mundo da moda chora a partida de uma das suas lendas. 

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