Jonathan Galindo: O que podem os pais fazer perante os desafios virais?

A morte de uma criança em Itália no final de Setembro chamou a atenção para um novo desafio viral que circula na Internet entre os mais novos, num fenómeno que se torna cíclico.

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Rui Gaudencio

A notícia surgiu no final de Setembro e com contornos que não são novos. Um rapaz de 11 anos que vivia em Nápoles, em Itália, ter-se-á atirado da janela do 11.º andar onde vivia com a família, deixando uma mensagem de texto (SMS)  para os pais. “Mãe, pai, amo-vos, mas tenho de seguir o homem do capuz. Não tenho mais tempo. Perdoem-me.” Segundo os progenitores, dois advogados, a criança era feliz, carinhosa e sem problemas, ainda que nos dias anteriores a tivessem visto mais cabisbaixa, aponta a imprensa local.

A mensagem e as circunstâncias levaram os investigadores italianos a admitir a possibilidade de esta ser a primeira vítima mortal que se conhece associada ao apelidado “Jonathan Galindo”, também conhecido nas línguas de origem latina como o “Homem Pateta”.

Quem é Jonathan Galindo?

A pergunta por si só já está errada. A certa seria “O que é Jonathan Galindo?”. Isto porque não se trata de uma pessoa real, mas sim de um conceito. Se a história começa a fazer soar campainhas é porque o Homem Pateta é virtualmente o mesmo que os desafios da Baleia Azul e da MOMO, que se tornaram virais através das redes sociais.

Se, por um lado, o jogo da Baleia Azul chegou a causar vítimas mortais e terá conduzido vários jovens portugueses ao hospital com auto lesões alegadamente praticadas depois de terem tido contacto com o jogo, o consenso à volta da boneca MOMO é de que tudo não passou de um mito urbano. Ao longo dos últimos meses tudo indicava que o caso de Jonathan Galindo, que teve o auge da sua popularidade ao longo deste Verão, estaria mais próximo do mito da boneca MOMO, conhecendo-se agora a primeira vítima que poderá estar relacionada com o desafio.

Uma das primeiras aparições terá sido feita no Twitter com uma conta entretanto desactivada pela própria rede social por violar as regras da plataforma, ainda que não se conheça exactamente que regras foram quebradas. Com o nome Jonathan Galindo e uma imagem de um homem mascarado a fazer lembrar o Pateta da Disney, rapidamente centenas de outras contas surgiram pelo Twitter, Instagram e Tik Tok, as redes sociais mais populares entre os mais jovens. 

Desta vez sabe-se quem é o homem da fotografia, mas este não tem nada a ver com o conceito. “Olá a todos. Esta loucura do Jonathan Galindo parece estar a aterrorizar um número enorme de jovens impressionáveis. As fotografias e vídeos são minhas de 2012 a 2013. Foram criados para o meu próprio divertimento na altura, não para um aventureiro moderno qualquer andar a assustar e intimidar as pessoas”, escreveu no Twitter Samuel Canini, também conhecido por Dusky Sam, um cosplayer e criador de máscaras, em Julho, durante o auge da propagação de contas fazendo-se passar por Jonathan Galindo.

O modus operandi dos utilizadores por detrás das contas assemelha-se, em termos gerais, aos vistos no jogo da Baleia Azul, que apareceu na Rússia em 2016 ou da boneca MOMO, que se tornou viral através do WhatsApp. As vítimas, sobretudo crianças, ou mandam mensagens privadas aos perfis que se intitulam de Jonathan Galindo ou recebem mensagens dessas contas e, depois de receberem fotografias e vídeos — os tais criados por Samuel Canini — e são desafiadas a participar num jogo com níveis cada vez mais violentos, passando por auto lesões, à semelhança dos jogos anteriores, e culminando no incitamento ao suicídio.

O que é que “agarra” as crianças ao jogo?

Iniciada a conversa, um dos primeiros objectivos dos Galindos parece ser obter informações sobre as vítimas, ou pelo menos assustá-las. Em inúmeros relatos de pessoas que passaram por essas conversas, foi-lhes pedido que enviassem fotografias comprometedoras ou clicassem num link, o que levava os agressores a ameaçar as vítimas de que teriam obtido o IP dos seus dispositivos electrónicos. Fosse pelas imagens ou pelos dados, caso o jogador se recusasse a continuar os desafios, os Galindos ameaçavam partilhar essas informações comprometedoras, coagindo as vítimas — a maioria crianças — a continuar os desafios.

Crianças de um lado, crianças do outro

Assim como já tinha ocorrido com a Baleia Azul, e dada a natureza cíclica destes fenómenos, desta vez também a maioria dos agressores também são jovens.

O caso do Jonathan Galindo fez criar uma nova corrente nas redes sociais, sobretudo no YouTube, em que os internautas fazem-se passar por crianças inocentes e tentam desmascarar os detentores das contas que fazem as ameaças. Na maioria dos casos, acaba-se por perceber que se trata de jovens. Questionados sobre as motivações das suas acções, às respostas vagas segue-se o apagar das contas online.

Pais devem ter postura activa

Em resposta enviada ao PÚBLICO acerca dos perigos online para os mais jovens, Rosário Carmona e Costa, psicóloga clínica fundadora do Instituto Belong, sublinha que “a partir do final da infância” é “característica” uma “sensação de omnipotência e de que nada lhe acontecerá, aliada à incapacidade de antecipar consequências e gerir impulsos”. A psicóloga lembra também que “uma tarefa de desenvolvimento essencial, a partir do final da infância, é a busca de sensações novas, a curiosidade e exploração de limites e novas experiências”.

Tudo isso faz com que “ainda mais, em tempo de isolamento e restrição no contacto social que permitiria o ensaio de todos estes comportamentos”, seja fundamental os pais estarem “mais atentos que nunca ao comportamento online dos filhos pois será expectável que seja no seu mundo virtual que irão por em prática todas estas acções”. Nesse sentido, já em Abril, a Ordem dos Psicólogos Portugueses alertava para que o confinamento causado pela pandemia de covid-19 pudesse trazer um aumento nos casos de cyberbullying.

“É importantíssimo”, continua a psicóloga, que os pais “se interessem pela vida online dos filhos tanto como pela vida offline e que imponham regras e limites na mesma medida”. A utilização de controlos parentais, argumenta, pode representar um “comportamento de segurança” numa fase da vida em que os mais jovens “não estão cognitiva e emocionalmente preparados para fazer boas escolhas online”. Ainda assim, a comunicação em família é a base: “Os pais devem trazer à discussão tudo o que poderão ser os riscos associados à utilização dos ecrãs, ensaiar respostas e soluções e adquirir uma postura de aceitação e ajuda e nunca de punição ou crítica. Desta forma, se algo parecer suspeito os nossos filhos sentirão o acolhimento necessário para partilhar quando algo não lhes parece bem em vez de esconder com medo de perder o acesso ou outros privilégios.”

A psicóloga clínica revela que, por vezes, “os pais parecem ter medo ou pudor de definir regras associadas aos ecrãs”, seja porque “não dominam tanto” ou porque têm “a falsa sensação” de que “estando ali no quarto ao lado são precisas menos regras porque [o filho] está mais protegido”.

Se, por um lado, os mais novos podem ser as vítimas, também podem ser os agressores. “Há a tendência para pensar que os agressores são sempre os filhos dos outros”, assumia a psicóloga Raquel Raimundo da Ordem dos Psicólogos Portugueses ao PÚBLICO no Dia Nacional de Sensibilização para o Cyberbullying. Ao mesmo tempo que os pais devem assumir o problema, “é o comportamento que é reprovável e é sobre ele que se deve agir, não sobre a criança”, sendo importante perceber o que desencadeou esses comportamentos e discutir com o jovem o impacto negativo que tem.

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