OCDE vê fundos como porta de entrada das famílias no mercado de capitais

Os investidores institucionais “não responderam plenamente às alterações nos mercados de capitais mundiais”, diz a OCDE no relatório “Mobilizar o mercado de capitais português para o investimento e o crescimento”.

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LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) vê a participação das famílias em fundos de pensões e investimento como possível porta de entrada no mercado de capitais, de forma a dinamizá-lo.

“A indústria portuguesa de investidores institucionais não respondeu plenamente às alterações nos mercados de capitais mundiais”, pode ler-se no relatório da OCDE intitulado “Mobilizar o mercado de capitais português para o investimento e o crescimento”, que foi hoje divulgado.

Segundo a organização internacional, “um passo importante para facilitar esta transformação seria aumentar a cobertura e a confiança no sistema privado de pensões”.

O objectivo desse incremento seria “assegurar um conjunto de regras fiscais aplicável a todos os regimes e a todos os tipos de contribuições para o regime de pensões, restringindo as regras para os levantamentos de planos privados com vista a melhorar o seu carácter de poupança de longo prazo e apoiar o recurso a planos de pensões profissionais”.

“Tendo em conta a alocação relativamente baixa das participações públicas, estes esforços poderiam ser apoiados com benefícios por um incentivo fiscal ao investimento no mercado accionista e pela introdução de um programa de educação financeira para melhorar a compreensão das famílias sobre os riscos relativos de longo prazo e os rendimentos provenientes de diferentes alocações de activos”, argumenta a organização presidida por Ángel Gurría.

A OCDE defende ainda que esta medida “destinada a aumentar a participação das famílias no mercado de capitais português através de fundos de investimento pode também incluir a introdução de um quadro especial para as contas poupança que, em determinadas condições, beneficiam de vantagens fiscais, tais como isenções do imposto sobre as mais-valias, se o investimento for detido durante um certo período de tempo”.

“O requisito de que estes fundos especializados aloquem um montante mínimo dos seus activos a títulos de participação e de dívida cotados de empresas de menor dimensão poderia facilitar o financiamento de longo prazo das PME portuguesas”, reforça a OCDE nas suas recomendações.

Segundo a organização, os principais desafios colocados ao mercado português neste âmbito “incluem não apenas a baixa alocação a fundos de investimento por parte dos fundos de pensões e das companhias de seguros portugueses, mas também a elevada percentagem de activos geridos por mandatos discricionários com baixas alocações a participações”.

“A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) pode ponderar a criação de um grupo de trabalho que inclua representantes do sector da gestão de activos e outros peritos, a fim de identificar os principais factores que impedem uma maior alocação a veículos de investimento colectivo e propor alterações que melhorem o funcionamento do sistema”, recomenda a organização internacional.

Noutro âmbito, a OCDE também defende que face “à dependência da dívida de curto prazo no sector empresarial português em relação a outras economias avançadas”, o Governo “deve considerar a elaboração de um plano estratégico para o desenvolvimento dos mercados de obrigações de empresas portugueses”.

“Tal poderá incluir a criação de um mecanismo de notação de crédito apropriado, em especial para as empresas de média dimensão que não têm acesso a agências de notação internacionais”, pode ler-se no documento.

A OCDE aponta ainda que o plano deve “considerar a introdução de um quadro especial para as colocações de obrigações privadas por empresas de menores dimensões na sequência de exemplos bem-sucedidos em outros mercados europeus”.

“Um exemplo promissor para o mercado português poderia ser o quadro de mercado de mini-obrigações que prevê um processo simplificado em que as empresas de menores dimensões podem emitir obrigações apenas a investidores qualificados através de vendas directas ou de veículos para fins especiais de titularização”, considera a organização.

Empresas não entram em bolsa para manter controlo

Cerca de 70% das empresas portuguesas que responderam a um inquérito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) elencaram a partilha de controlo accionista como razão para não entrar em bolsa, segundo um relatório hoje divulgado.

“De longe, a razão mais importante mencionada é ‘os nossos accionistas não querem partilhar o controlo com outros’ (manter o controlo)”, pode ler-se no no relatório da OCDE intitulado “Mobilizar o mercado de capitais português para o investimento e o crescimento”, apresentado hoje.

Segundo o documento, das 165 empresas que responderam ao inquérito indicando que não estão a planear entrar em bolsa nos próximos três anos nem recolheram qualquer informação sobre o tema, cerca de 70% indicaram que querem “manter o controlo”.

“Os custos relacionados com a entrada em bolsa, baixos níveis de liquidez e a complexidade da regulação também foram mencionados por mais de metade das empresas”, pode ler-se no documento da organização liderada por Ángel Gurría.

A OCDE denota ainda que “metade das empresas mencionou que a razão por detrás da sua decisão de permanecer fora da bolsa está relacionada com o facto de haver falta de um ambiente bolsista favorável em Portugal”.

“Enquanto 38% das empresas mencionaram falta de experiência no financiamento em mercados de capitais, apenas 22% mencionaram requisitos de transparência e divulgação”, salienta a organização internacional.

Já quanto às empresas que não estão a planear emitir títulos de dívida no mercado nos próximos três anos, a razão mais apontada para não o fazerem, 68% apontaram o financiamento bancário como preferencial.

“Isto é seguido por baixa liquidez no mercado local, ausência de necessidade de financiamento externo e falta de um ambiente favorável”, segundo o documento, que volta a destacar que “requisitos de divulgação e transparência, bem como estarem expostos ao escrutínio público, não aparecem como factores importantes”.

OCDE sugere cotar empresas públicas 

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) sugere, no mesmo relatório, ao Governo português o incentivo à entrada das empresas públicas em bolsa, “para estimular o desenvolvimento do mercado”, segundo um relatório hoje divulgado.

“Para estimular o desenvolvimento do mercado de capitais, o governo pode incentivar a cotação das empresas públicas que são consideradas mais adequadas de um ponto de vista macroeconómico e estrutural”, pode ler-se no relatório da OCDE intitulado “Mobilizar o mercado de capitais português para o investimento e o crescimento”.

No entender da organização presidida por Ángel Gurría, essa entrada em bolsa “ajudaria a obter uma dimensão e uma visibilidade críticas do mercado accionista junto dos investidores institucionais internacionais”.

A organização sediada em Paris deixa ainda outras recomendações às autoridades portuguesas para estimular o mercado nacional, como “considerar a introdução de um sistema de crédito fiscal para os custos relacionados com as cotações iniciais, bem como as ofertas de capital secundário por parte de empresas já cotadas”.

“Para facilitar a utilização por parte das empresas do financiamento do mercado accionista, o governo pode considerar a modernização do quadro regulamentar, por forma a assegurar um grau de flexibilidade suficiente, tendo em conta a revisão do Código dos Valores Mobiliários realizada pela CMVM [Comissão do Mercado de Valores Mobiliários] e beneficiando das isenções e opções previstas na legislação da UE [União Europeia]”, pode também ler-se no documento.

Adicionalmente, a OCDE refere a possibilidade de “quaisquer alterações ao Código das Sociedades que possam facilitar a cotação, incluindo a flexibilidade no que diz respeito às estruturas de voto para dar resposta às preocupações generalizadas dos proprietários e empreendedores portugueses no tocante à perda do controlo das suas empresas, como as acções de fidelidade”.

A organização concluiu que “a percepção das empresas portuguesas deve-se também, em parte, à falta de sensibilização no sector empresarial português para a flexibilidade efectiva disponível no quadro jurídico e regulamentar para a cotação”.

“A CMVM e a bolsa de valores, em cooperação com outras autoridades públicas, empresas e associações do mercado financeiro, devem envolver-se numa campanha de sensibilização dedicada e orientada à informação dos executivos das empresas e outros de intervenientes relevantes no mercado sobre as muitas oportunidades que existem de flexibilidade e sobre as novas iniciativas”, segundo o relatório da OCDE.

A organização sugere ainda a opção de “institucionalizar o ‘Círculo Empresarial Português’ sob os auspícios do recém-criado Banco de Fomento para servir de plataforma ao intercâmbio contínuo de tais informações”.

A OCDE reportou ainda que “um longo período de baixa actividade de mercado enfraqueceu o ecossistema de mercado no que diz respeito aos serviços de apoio essenciais, como serviços de consultoria e investigação, serviços de subscrição e funções de criação de mercado”, tendo as empresas portuguesas de recorrer, frequentemente, a companhias estrangeiras para a prestação de tais serviços.

“As autoridades portuguesas devem considerar o apoio, incluindo através de apoio estatal indirecto, como os incentivos fiscais às instituições ou a determinados produtos, bem como a investidores, à criação e à expansão de instituições nacionais de intermediação e de consultoria do mercado de capitais”, sugere a entidade presidida por Ángel Gurría.

No capítulo dos incentivos fiscais, a organização internacional sugere que “podem incluir isenções dos impostos sobre as mais-valias no caso de determinados veículos de investimento colectivo que investem predominantemente no mercado accionista nacional e visam os pequenos investidores”, além do “sistema de crédito fiscal proposto para os custos de cotação e de consultoria”.

“O Governo pode considerar avaliar se existe âmbito para as instituições financeiras públicas, em particular o Banco de Fomento, intensificarem as suas actividades no mercado nacional” face à “à disponibilidade limitada de serviços nacionais de subscrição e de capacidade de criação de mercado”.

A OCDE aponta ainda que “outra consideração seria a de nomear uma instituição nacional, como o IAPMEI e o Banco de Fomento, para a realização ou o apoio a estudos de mercado sobre empresas de menor dimensão”.

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