Entre a eficiência e o risco de corrupção, a escolha é fácil

A proposta de alteração do Código dos Concursos Públicos do Governo é, como reconhece o Tribunal de Contas, um passo em direcção ao pântano. Mesmo que seja economicamente justificada, é politicamente insustentável

Obras que nunca mais arrancam, concursos impugnados, empreitadas que param a meio e nunca mais recomeçam. O cenário criado pelo actual Código dos Contratos Públicos explica boa parte da paralisia que afecta gravemente o investimento público e compromete o interesse dos cidadãos e do país. Mas, se esta realidade justificava a sua revisão, a proposta de alteração do Governo cria um pesadelo sobre o pesadelo existente. Com a Justiça burocrática e lenta que temos, com os meios de fiscalização existentes e, principalmente, com a cultura de corrupção que gravita na órbita dos dinheiros do Estado a proposta do Governo é, como reconhece o Tribunal de Contas, um passo em direcção ao pântano. Mesmo que seja economicamente justificada, a facilitação dos procedimentos dos concursos é politicamente insustentável.

O que abre uma discussão de enorme importância para o país. Com o Estado orientado para “pareceres” e não para a “resolução dos problemas”, como recordou António Costa Silva, a execução do investimento público é cada vez mais um pesadelo. E se esta realidade é preocupante para uma administração que executa anualmente 2,4 mil milhões de euros de investimento, sê-lo-á ainda mais quando as transferências europeias exigirem concursos que poderão chegar aos 6,4 mil milhões. Perante a dificuldade, o que faz o Governo? O mais fácil: esvazia concursos com o recurso à consulta prévia, dispensa justificações de custo/benefício ou liberta os adjudicantes de apresentarem projectos de execução nos cadernos de encargos. Se até agora o clientelismo, o compadrio e a corrupção prosperaram na rigidez dos contratos, podemos esperar o quê da sua flexibilização?

O dilema que temos em mãos (incapacidade de execução do investimento público versus ameaça do disparo da corrupção) diz muito sobre o estado a que o país chegou. À paralisia asfixiante e ao risco moral da corrupção institucionalizada. Se este nó só se desata com uma Justiça célere e eficaz, com o reforço do escrutínio e dos mecanismos da transparência, não dispensa também um feroz controlo ético do regime sobre os seus protagonistas políticos. Uma empreitada colossal, que exige tempo e energia. E que dispensa a facilitação do trabalho aos potenciais prevaricadores, que é o que, ainda que involuntariamente, está em jogo nesta alteração legislativa.

Numa altura em que a corrupção alastrou a todas as esferas da vida pública, da Justiça ao desporto, do Exército à administração, uma cedência desta natureza é um erro. Entre a suspeita de ruína ética da República que se vai instalando na percepção das pessoas e o atraso num pacote de obras públicas, a escolha não parece difícil de fazer.  

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