Quem tramou Pedro Nuno Santos?

À primeira vista, Costa perdeu a mão no seu Governo ou, pelo menos, há focos de rebeldia incontrolada. É do conhecimento geral que Pedro Nuno Santos representa uma linha mais à esquerda dentro do PS e que aspira, legitimamente, a ser o futuro secretário-geral e eventual primeiro-ministro.

Declaração de interesses: apoio a candidatura de Marisa Matias a Presidente da República, mantendo a minha condição de não filiado em qualquer partido e sem prejuízo de, em tempos, em face das alternativas então conhecidas, ter-me pronunciado a favor de outro candidato. No combate à inorganicidade do poder político de extrema-direita, causa maior que me move e preocupa profundamente no Portugal democrático de hoje, é a Marisa que, em minha opinião, melhor personifica a urgência em desmontar tais ideias.

Isto dito, à primeira vista, Costa perdeu a mão no seu Governo ou, pelo menos, há focos de rebeldia incontrolada. É do conhecimento geral que Pedro Nuno Santos (PNS) representa uma linha mais à esquerda dentro do PS e que aspira, legitimamente, a ser o futuro secretário-geral e eventual PM. Também sabemos que Costa prefere Medina para a sua sucessão. Outra evidência: PNS tem demonstrado, sobretudo na gestão do dossier da TAP, falta de sentido de Estado, falando no Parlamento como se estivesse a uma mesa de café. Algum institucionalismo é exigível a todas e a todos quantos ocupam posições de soberania, pois é Portugal que estão a representar. Prova de que o presente envenenado de Costa ao torná-lo ministro se está a transformar numa verdadeira “casca de banana”.

É evidente que se pode questionar se Costa deveria ou não ter imposto a “lei da rolha” aos membros do Governo, pelo menos até uma tomada de posição oficial do PS. Certo é que, de um prisma constitucional, cabe ao PM a condução do Governo e o que se passa ou discute no seu interior está sujeito a segredo. Juridicamente, nada a apontar. Mas a questão é política e não do mundo do Direito. Daí que quando Santos Silva se pronunciou sobre o tema abriu a caixa de Pandora e lançou o pontapé de saída para que PNS falasse (e outros se seguirão). O ministro das Infra-estruturas e da Habitação quis demarcar a sua área política e demonstrar que não teme o chefe, que até o desafia e capitalizar o descontentamento interno nas hostes socialistas quanto ao apoio de Costa a Marcelo, em Palmela, num passe de mágico, a fim de desviar atenções de um momento difícil que o executivo na altura vivia.

Como tenho de Santos Silva a imagem de um político experiente e de um homem muito inteligente que não dá ponto sem nó, para além de ser, amiúde, um porta-voz do que Costa não pode ou não quer dizer, concluo que PNS caiu na armadilha que lhe prepararam. Ao falar, se arregimentou tropas, no deve e no haver talvez tenha ficado a perder, pois a base eleitoral do PS não está descontente com Marcelo, percebe a escolha de Costa e não gosta de um enfant terrible que queira fazer o funeral antes de haver morto. Exigir-se-ia mais tacto e paciência a PNS, que, creio, assim perdeu uma oportunidade de ultrapassar Medina.

E, com isto, se para o exterior passa uma inegável mensagem de um Governo sem líder, em que cada ministro toca o seu instrumento desafinado, certo é que Costa mediu o alcance da sua intervenção. Não desconhecia que pessoas como PNS e outras não resistiriam a aliviar a comichão causada pela espinha atravessada na garganta que é o apoio ao actual PR. E só precisou mesmo de alguém que lhes desse corda. Ora, internamente, creio que foi uma jogada de mestre, pois o poder e o seu exercício é o melhor cimento agregador de qualquer partido. Se os militantes e simpatizantes sentem que têm muito a perder com uma aparência de falta de unidade governativa, é natural que comece uma certa “caça às bruxas” no interior do PS. E quem se apresenta como corporizando esse “malvado” que está a pôr em causa a continuidade dos socialistas no poder? PNS surge como a resposta mais imediata, ainda que tenha sido ele um dos grandes fautores da solução da geringonça, o que não deixa de ser uma fina ironia do destino.

Se este é um sinal do princípio do fim dos governos socialistas, creio que ninguém o pode afirmar com o mínimo de certeza. Que pode ter sido uma jogada “à la Costa” para unir o partido em torno de si, parece-me muito mais provável. E mais: o PM pode já estar a juntar um conjunto de argumentos para, no próximo ano, finda a presidência portuguesa da UE, dramatizar o discurso em face de um Orçamento de Estado para 2022 que se adivinha de muito difícil aprovação parlamentar e, com isso, sermos antecipadamente chamados às urnas.

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