Zero interroga-se no Dia Nacional da Água: Quantos anos de seca suporta Alqueva a regar 200 mil hectares

A falta de acompanhamento do empreendimento agrícola na fase de instalação e exploração do regadio incentivou a plantação de culturas permanentes quando a escassez de água já representa uma ameaça concreta.

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LUSA/ANTÓNIO COTRIM

Dentro de cinco anos, a reserva de água de Alqueva terá de suprir as necessidades de rega de quase 200 mil hectares na sua esmagadora maioria de culturas permanentes (olival, amendoal e vinha) em regime intensivo e superintensivo. Uma tal exigência de rega é criticada pela organização ambientalista Zero, que recentemente percorreu vários locais da região onde foram instalados blocos de rega para realizar uma curta-metragem sobre os impactos que novo modelo agrícola está a ter na segurança e saúde das populações e no ambiente.

Na celebração do Dia Nacional da Água, que se comemora nesta quinta-feira, a Zero faz uma avaliação à utilização da água disponibilizada pelo Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA), para questionar os critérios que têm vindo a ser seguidos na “implementação de 120.000 hectares de perímetros de rega e ao fornecimento de água subsidiada” que, acentua, “não foi acompanhado de um planeamento capaz” no acompanhamento e controlo na fase de instalação e exploração do regadio.

“Estamos perante opções erradas na gestão (do empreendimento), as quais vão ter reflexo no futuro do empreendimento”, antecipa a organização ambientalista, num contexto em que são já evidentes os sinais de escassez de água para regar os 120 mil hectares da chamada primeira fase do EFMA e já se encontra em execução a segunda fase do projecto que passa por acrescentar mais 50 mil hectares de novos blocos de rega.  

A política de fornecimento de água pela Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas de Alqueva (EDIA) suscita crítica. O acréscimo incentivado pela EDIA de mais 20.000 hectares de regadio na sua esmagadora maioria culturas permanentes, em regime precário (a áreas fora dos perímetros de rega do EFMA), “se bem que apoiada na legislação, não é aceitável”, refere a nota da Zero enviada ao PÚBLICO. Também criticável, pela extensão ocupada, é o facto que tal “ocorreu em áreas não sujeitas a Avaliação de Impacte Ambiental, contíguas aos blocos de rega onde esse processo foi obrigatório, gerando um efeito cumulativo sobre o ambiente”, adverte a organização ambientalista.

Com a instalação da segunda fase do EFMA, mais 50.000 hectares vão ser regados e “a margem de segurança para a disponibilidade de água para rega invocada para a dimensão de Alqueva é posta em causa”, refere a Zero colocando em causa o argumento da EDIA de que as “culturas instaladas são menos consumidoras de água do que o previsto” quando já é visível a expansão do amendoal “mais consumidora de água do que o olival”.

O acréscimo da área regada “parece não tomar em conta os cenários climáticos futuros onde a maioria dos modelos apontam para um aumento da temperatura e redução de pluviosidade nesta região da Península Ibérica, conduzindo a menos disponibilidade hídrica.” Por outro lado, “tem-se assistido à instalação de monoculturas de grande dimensão em espaços contínuos” sem adequar as culturas às condições específicas de cada área e “sem um planeamento de base”, observam os ambientalistas.

Tudo isto decorre num cenário em que “as entidades que deviam acompanhar e fiscalizar a instalação e exploração da terra pouco fazem para controlar o modo como se instalam estas culturas no terreno”, acentua a Zero, realçando a ausência de “vontade política ou a falta de recursos humanos.”

Estes condicionalismos têm incentivado o “incumprimento dos instrumentos de ordenamento em vigor, nomeadamente os Planos Directores Municipais (PDM), com manifesto desrespeito pelo que está estabelecido na Estrutura Ecológica Municipal”.

Tornou-se prática normal a “rectificação e destruição das margens das linhas de água, à ocupação ou mesmo destruição de áreas de montado, ao desaparecimento de espécies e habitats, à ocupação de declives e taludes, destruição de caminhos municipais e de uso tradicional.” Acresce ainda a “destruição de património histórico e arqueológico e a ocupação de terrenos na proximidade de povoações que sofrem agora com a aplicação de pesticidas junto das mesmas” enumera a organização ambientalista.

Ao registo de situações que a Zero classifica de anómalas, junta-se a poluição do ar provocada pelas três unidades de transformação de bagaço de azeitona instaladas no concelho de Ferreira do Alentejo e que “são causadoras de mal-estar nas populações da sua vizinhança”.

Em síntese, os ambientalistas colocam várias interrogações ao novo modelo agrícola que está a ser instalado no regadio do Alqueva: “É esta a agricultura que queremos para a região? Monoculturas para exportação com base na subsidiação da água e no maior investimento público ao nível agrícola jamais efectuado? Ou mais diversificação a qual possa essa sim responder às necessidades alimentares do país?”

Um problema de fundo assume uma dimensão que já era previsível: “A quantos anos de seca pode a albufeira do Alqueva responder em dotações para rega quando tivermos quase 200.000 hectares dela dependentes em época normal e mais ainda nas fases de seca?”

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