Um crime sem atenuantes

A morte de Ihor Homenyuk pode ter sido uma excepção, mas os contornos do caso permitem supor que nestes centros de instalação temporária o uso da violência não é algo inédito.

A morte de um cidadão estrangeiro em instalações de um serviço público, alegadamente provocada por agressões bárbaras e com requintes de crueldade, é abominável em qualquer país onde exista um resquício de Estado de direito.

O tratamento desumano e degradante a que foi sujeito o cidadão ucraniano Ihor Homenyuk no Centro de Instalação Temporária do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) do aeroporto de Lisboa, no dia 12 de Março, não motivou a indignação que merecia nessa altura, por força do alarme social que a chegada da pandemia começava a alimentar.

Este caso mancha a reputação de um serviço com pouca notoriedade pública, associado a uma enorme burocracia, cujos funcionários terão encoberto o caso, e mancha a imagem do próprio Estado. A morte de Ihor Homenyuk pode ter sido uma excepção, mas os contornos do caso permitem supor que nestes centros de instalação temporária o uso da violência não é algo inédito.

Como é possível que um ser humano esteja manietado durante 15 horas numa sala, onde terá sido agredido com um bastão metálico por três funcionários do SEF, que se encontram em prisão domiciliária, sem que mais ninguém se tivesse apercebido da gravidade do que ali se estava a passar? Como é possível que a morte natural tenha sido aventada na certidão de óbito, quando o seu corpo apresentava vários tipos de lesões grosseiras?

Ihor Homenyuk morreu devido a um misto de negligência e de barbaridade, seja nas medidas de contenção de que foi alvo, extremamente excessivas, seja no acompanhamento que deveria ter tido e não teve, seja na verificação do óbito. Nesta cadeia de falhas sucessivas, ninguém se salva. Não há dúvida possível.

O que se passou naquele centro de instalação temporária viola a convenção internacional dos direitos humanos e revela um profundo desrespeito pela vida de um semelhante enquanto estava sob custódia policial. Não há atenuante que possa ser invocada para justificar este crime hediondo, num país que teve o discernimento de regularizar todos os imigrantes com processos pendentes no SEF até 18 de Março deste ano.

É obrigatório que a Inspecção-Geral da Administração Interna feche o inquérito que o ministério ordenou que abrisse, com as devidas consequências no SEF, e que a investigação e acusação do Ministério Público, que foi divulgada esta quarta-feira, ajudem a Justiça a encerrar este caso com a dignidade que o Estado negou a Ihor Homenyuk quando este chegou a Lisboa com um simples visto de turista.

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