Como a arte urbana pode ajudar na recuperação pós-covid-19

Propõe-se um novo olhar para esta familiar realidade, a da arte urbana. Um olhar com uma proposta que nos poderá ajudar nos tempos de profunda crise que se avizinham.

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Ana Rita Rodrigues

Durante os últimos anos muitas autarquias já viveram alguma forma de contacto com a arte urbana. Após Agosto, e no rescaldo de algumas formas de actividade cultural que persistem neste ano atípico de 2020, caminha-se para o fecho de mais uma “época alta”. Eventos singulares, outrora dinâmicos, que terminados se tornam estáticos, ou com muito pouca capacidade de gerar impactos efectivos no quotidiano local. Perdeu-se o efeito surpresa, mas o património existe, a porta foi aberta.

É neste contexto que se propõe um novo olhar para esta familiar realidade, a da arte urbana. Um olhar com uma proposta que nos poderá ajudar nos tempos de profunda crise que se avizinham.

É importante lembrar que a arte urbana é muito diferente de uma outra qualquer produção cultural profissional. Trata-se de uma prática constituída por amadores, por aqueles que amam a actividade, que a mantêm independentemente do seu sucesso comercial. Tratamos aqui de algo que está ao alcance de todos, que não está circunscrito a festivais e a um conjunto de nomes importantes, que, por mérito próprio, vivem em trânsito para o mundo da arte contemporânea. Sem oposição a esta dinâmica, pelo contrário, beneficiando do caminho trilhado, será hoje importante também olhar não só para a excelência.

Sugere-se um olhar para o que a arte urbana tem de inclusivo e de catalisador de dinâmicas sociais agregadoras, e de como estas podem qualificar o espaço público em articulação com os valores locais.

Propomos uma Nova Arte Urbana sem calendário e quotidiana, em dez pontos:

  1. Propõe-se que a maturidade da arte urbana actual sirva de referência para um programa cultural de recuperação. O programa cultural do New Deal durante a recessão de 1929 nos EUA usou como referência os murais da Revolução Mexicana, instituindo a produção de murais e de arte pública ajudando a alavancar a economia das cidades.
  2. Dá-se prioridade à acção, à prática, à aplicação, produção e criação. A reflexão, documentação e discussão são também essenciais, propõe-se que sejam desenvolvidas em dialogo com a acção.
  3. Propomos a criação evolutiva, a crescer de forma articulada com os valores locais. A cultura de eventos não é sustentável, os programas devem ser pensados para dez ou mais anos.
  4. Capitalização dos valores culturais locais, valorização do vernáculo, do saber residente e proveniente do sitio. A velocidade das viagens, da azáfama dos mais reconhecidos nomes deverá ser optimizada e intercalada com o anónimo para benefício local.
  5. Qualificar o espaço público e aumentar o sentido de pertença das populações. Considerar a geografia, a morfologia, a fauna, a flora e os ecossistemas.
  6.  Criar com benefício para a população, para os artesãos e artistas. População envolvida na decisão, produção e gestão. Promover a ocupação profissional dos artesãos e artistas criando ligações ao tecido económico local.
  7. Abrir portas à retoma através da ligação ao tecido económico local. Dinamizar o turismo cultural, produção artesanal com vista à venda e ou exportação suportada nas singularidades locais.
  8. Criar abordagens que garantam a participação pública. Manter o foco na economia local, no contexto social, no utilizador e na vida que o envolve (life centred design).
  9. Alinhamento com o Green Deal da União Europeia. Redução das emissões de gases com efeito de estufa, dissociar o crescimento económico da exploração intensiva dos recursos e envolver todas as regiões e pessoas.​
  10. Ajudar a promover sistemas infra-estruturais de encomendas e apoios. Revisitar o modelo de financiamento de obras de arte através de novas construções e fortalecer a ligação com o emprego e formação profissional, garantindo a qualificação dos recursos humanos.

Se assim for conduzida, pode gerar importantes mais-valias e várias são as investigações que assim indicam. Basta ver o trabalho da Associação para a Participação Pública (AP2.PT), nomeadamente as revistas científicas que promove.

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