O vira e a chula da corrupção

Sem ter no governo quem apoie a luta contra a corrupção, a causa é tremendamente difícil. Só mudando o disco, acabando com o mesmo vira e a mesma chula.

A corrupção é um problema sério e a sua expansão só é possível por encontrar um terreno fértil.

Enquanto o salazarismo pregava e abençoava a pobreza como forma bem original de felicidade, o novo regime resvalou rapidamente, sobretudo após o período da adesão à CEE, para a glorificação do mundo dos ricos, modo de ir para o céu da Terra.

Deng Xiaoping na China dizia que ser rico era ser belo e maravilhoso. Do lado de cá, na Lusitânia, os ricos que se acagaçaram com o 25 de Abril quiseram recuperar do susto com uma voracidade nunca vista, sendo que enquanto uns recuperavam terras, bancos e empresas, outros, os novos-ricos, enveredavam pelo capitalismo parasitário, sem investir, ou investindo pouco e criando junto dos governantes novos modos de acumulação, o que supôs o pagamento de contrapartidas.

Ora, se o presidente do SLB arranjava tachos e penachos ao senhor desembargador, este por sua vez arranjava com os seus pares modos de pagar os favores daquele que, de banco em banco, ia colhendo centenas de milhões. Este é um exemplo, mas eles estão em todo lado, em ministros, em presidentes de municípios, em juntas de freguesia, em deputados e sempre, sempre nesse mundo de empresários (alguns feitos à medida dos partidos) que sabem pagar à sua maneira os favores recebidos.

A complexidade do fenómeno densifica-se ao constatarmos que a reação da comunidade não deixa de merecer estupefação.

Nos partidos do arco do governo, aqueles que desde 1976 governam o país (PS, PSD e CDS), têm sido identificados dezenas de casos de dirigentes e quadros que corromperam ou se deixaram corromper, e nem por isso a população deixa de votar neles.

As notícias acerca de cidadãos que estão sob investigação são muitas; e, no entanto, na nossa pátria à beira mar plantada tudo não passa de mais uma notícia, voltando os pacatos cidadãos, feitos basbaques, ao redil, arengando contra os corruptos à mesa do café, mas votando neles.

O elogio da vida fácil, do nacional espertismo com base no “encosto” de quem tem conhecimentos no Estado, mesmo para os que passam a vida a atacá-lo, sempre prontos a semear abóboras ou ervilhas no meio do mato e a receber chorudos subsídios vindos da PAC, ou a reclamar proteção que negam no que se refere à edificação de serviços públicos robustos, ou à proteção social, é também causa desta situação.

Onde pretendemos chegar é ao ponto mais complexo do fenómeno – a substituição de uma atitude de repúdio, desde logo no momento crucial, o das eleições, optando sempre, no essencial, pelos partidos onde há a maioria dos casos de corrupção, o que revela pactuar com ela tacitamente.

Entre pegar o toiro pelos cornos e gesticular e vociferar, esta última é a optada pela simples razão de que é uma fuga ao confronto e um grande número de portugueses gosta de confrontos com quem pode menos que eles, ou pelo menos com quem não pode mais. Veja-se como barafustam com os funcionários públicos, com as caixas dos supermercados, com os concidadãos que seguem a seu lado nas viaturas ou até com os peões e ciclistas.

A corrupção é um mal terrível porque cria um mundo opaco e sem esperança, um mundo de foras da lei que se governam e esmagam os outros, os mais honrados, os mais competentes, os mais capazes, abafando o seu mérito.

Sem ter no governo quem apoie a luta contra a corrupção, a causa é tremendamente difícil. Só mudando o disco, acabando com o mesmo vira e a mesma chula.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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