Justiça trava vontade de Bolsonaro de abrir as áreas protegidas do litoral à construção civil

Um dia depois de o Governo ter decidido levantar medidas de protecção aos mangais e retingas, uma juíza suspendeu os seus efeitos.

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Ministro do Meio Ambiente brasileiro manifestou vontade de passar por cima de normas de protecção ambiental Reuters/ADRIANO MACHADO

Um tribunal do Rio de Janeiro suspendeu os efeitos da decisão governamental que veio retirar a protecção ambiental a áreas de preservação de mangais e retingas no litoral brasileiro. A medida tinha sido muito criticada pelas organizações de defesa ambiental, mas ainda não foi definitivamente enterrada.

Na segunda-feira, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), liderado pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, decidiu revogar as normas de protecção das áreas de mangais e retingas, biomas muito frágeis mas essenciais para o equilíbrio do ecossistema do litoral brasileiro – os mangues têm uma enorme capacidade de absorção de dióxido de carbono e, por isso, são uma importante barreira contra o aquecimento global.

Um dia depois, no entanto, a juíza da 23.ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Maria Amélia de Carvalho, suspendeu os efeitos da revogação, justificando com o “evidente risco de danos irrecuperáveis” para o meio ambiente, cita a Folha de S. Paulo. A juíza pronunciou-se a propósito de uma acção popular apresentada por cinco advogados contra a medida.

A sentença tem carácter temporário e terá ainda de ser apreciada por um tribunal, para além de que é passível de recurso.

Entre as medidas de protecção destes biomas revogadas pelo Conama está o fim da obrigação de se preservar pelo menos 300 metros entre construções e as áreas de mangais ou retingas. Os grandes beneficiários são os interesses imobiliários, que há muito ambicionam construir moradias de luxo e hotéis nestas zonas protegidas.

Em causa está uma área de 3,6 milhões de hectares, que acompanha a faixa litoral brasileira, que fica assim privada de várias medidas de protecção, pondo em causa, por exemplo, o local de desova de tartarugas em vias de extinção.

Activistas, cientistas e até outros líderes mundiais têm acusado o Governo brasileiro de estar empenhado em desmantelar os esforços de preservação ambiental postos em marcha nos últimos anos. O caso mais evidente é a subida acentuada da desflorestação da Amazónia, a maior floresta tropical do planeta e que se aproxima a passos largos da sua destruição, que os críticos do Governo dizem ser explicada pela falta de investimento nos órgãos de protecção, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Recentemente, os grandes incêndios que dizimaram uma parte considerável do Pantanal, outro ecossistema único no mundo, também expuseram as más práticas seguidas pelo Governo de Jair Bolsonaro, que se tem colocado ao lado dos negacionistas das alterações climáticas. Salles foi convocado esta semana pelo Senado para dar explicações sobre a resposta do Governo aos incêndios.

A intenção do Ministério do Meio Ambiente de enfraquecer os mecanismos de protecção ambiental ficou patente numa reunião governamental em Abril, cuja gravação foi divulgada no âmbito de uma investigação judicial, em que Salles diz que a pandemia da covid-19 é uma boa oportunidade para “passar a boiada” nas normas ambientais.

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