Governo britânico ponderou enviar requerentes de asilo para a ilha onde Napoleão morreu exilado

Tanto Santa Helena como a ilha da Ascensão foram hipóteses levantadas pelo Ministério do Interior, mas acabaram afastadas por problemas logísticos. Já a ideia de “deslocalizar” quem espera pela resposta ao seu pedido continua em cima da mesa. Sete mil migrantes atravessaram o Canal da Mancha em insufláveis até Agosto.

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Priti Patel vai falar sobre os migrantes que atravessam o canal da Mancha na conferência do Partido Conservador, no sábado Hannah Mckay

Decidida a travar aqueles que atravessam o canal da Mancha e à procura de soluções para alojar os que conseguem fazê-lo em pequenos barcos (este ano bateram-se novos recordes de chegadas ao Reino Unido), a ministra do Interior britânica, Priti Patel, pediu ao seu gabinete para avaliar a possibilidade de enviar requerentes de asilo para a ilha de Santa Helena e ali processar os seus pedidos, escreve o jornal Financial Times (FT).

A possibilidade surgiu numa reunião em que a ministra quis saber como é que outros países gerem os pedidos de asilo: a Austrália, por exemplo, financia “centros de processamento” em ilhas – noutros países da Oceânia – onde mantém os candidatos a refugiados que esperam pela conclusão do seu processo.

Para além de Santa Helena, conhecida por ter sido ali que Napoleão esteve exilado e preso durante cinco anos, até à sua morte, em 1821, foi avaliada a possibilidade de enviar as pessoas que chegam ao país para a ilha da Ascensão, parte do mesmo grupo de ilhas (Santa Helena, Ascensão e Tristão da Cunha) mas a 1300 km de distância de Santa Helena. Esta é mesmo uma das ilhas mais isoladas do mundo, situada a meio caminho entre a América do Sul e África (a quase 2000 Km da costa ocidental africana). 

No entanto, segundo responsáveis do ministério ouvidos pela BBC e pelo diário The Guardian, estas foram apenas algumas das ideias discutidas. O Guardian cita um responsável que descreve o uso de Ascensão ou de Santa Helena como “ideias implausíveis” levantadas no debate em curso no Ministério do Interior.

Mas de acordo com o FT, “o Ministério dos Negócios Estrangeiros foi consultado sobre o plano e forneceu uma avaliação sobre a exequibilidade de enviar requerentes de asilo para localizações remotas”. A ilha de Ascensão, a 6000 km do Reino Unido, usada como posto para fornecer e defender as ilhas Falkland (Malvinas para os argentinos), tem uma base da Força Aérea britânica e uma população de menos de mil habitantes, mas poucas condições. Já para não falar que a distância tornaria a transferência de requerentes de asilo para o território num desafio logístico.

O diário admite que “a ideia de transferir requerentes de asilo para ilhas remotas parece ter sido abandonada por Patel”. No entanto, cita pessoas próximas da ministra que confirmam que esta considerou instalar um centro para processar pedidos de asilo num território ultramarino. “Temos estado a ver como é que outros países lidam com o assunto. Temos esquadrinhado tudo”, diz ao jornal um responsável familiarizado com a discussão. “Os ministros ainda não decidiram nada.”

A BBC também falou com um membro do Ministério do Interior que garante que estão a ser avaliadas “todas as opções que possam pôr fim às travessias dos pequenos barcos e resolver o sistema de asilo”.

Patel, que tem prometido repetidamente impedir os pedidos de asilo de quem chega ao país de barco ilegalmente, vai falar sobre os migrantes que atravessam o canal da Mancha num discurso na conferência do Partido Conservador, no sábado.

Milhares de travessias

Até ao fim de Agosto, pelo menos 5000 pessoas tinham chegado ao Reino Unido em barcos insufláveis (segundo uma análise do grupo PA Media, citada pelo Guardian, já são quase 7000), uma grande subida em relação às 1890 que o fizeram ao longo de todo o ano passado. “Estou a trabalhar para tornar esta rota inviável”, disse a ministra numa intervenção a meio de Agosto, descrevendo o número de travessias como “terrível e inaceitavelmente grande”.

Há mais de 30 anos que a Austrália envia para os chamados “centros de processamento” no exterior do país todos os que tentam alcançar a sua costa – as pessoas que fazem a viagem de barco, geralmente a partir da Indonésia, são interceptadas pela Marinha e não chegam a pisar solo australiano. O Governo financia instalações destas em Manus, na Papuásia-Nova-Guine, e em Nauru. São conhecidas as condições desumanas nestes centros, onde há pessoas que esperam há anos por alguma resposta.

A proposta de “deslocalizar” os requerentes de asilo é “mais uma prova da influência das ideias de Tony Abbott no Governo [de Boris] Johnson”, escreve o Financial Times. O ex-primeiro-ministro australiano, conhecido pela sua atitude dura em relação à imigração e que apostou em operações militares para desencorajar os refugiados de chegarem à Austrália por via marítima, foi contratado como conselheiro comercial pelo Governo de Londres e reuniu-se recentemente com a ministra do Interior.

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