As tiras que nos iluminaram a adolescência

A Mafalda sonhadora, o Manelinho sovina e provinciano ou a Susaninha frívola e vagamente egoísta eram afinal o nosso retrato e o retrato das nossas visões do mundo. Ao tipificarem-no, ajudavam-nos a compreendê-lo.

Não é arriscado dizer que a Mafalda (o Quino) fez mais pela formação política de duas ou três gerações do que muitas teses ideológicas ou panfletos doutrinários. Talvez porque a Mafalda e os seus companheiros dissessem coisas muito sérias com uma intensa e irresistível carga de humor. Talvez porque as suas mensagens subversivas se ajustassem à mentalidade adolescente, generosa e contestatária dos que a leram nos seus tempos do secundário.

Lembro-me de discutir com os meus amigos qual de nós se parecia com ela, com o Gui, com o Manelinho ou com a Susaninha. Era fácil constatar que os seus personagens não estavam longe de uma representação fiel do mundo. Todos tínhamos um bocadinho de cada um, todos éramos mais próximos de uns do que de outros. A Mafalda sonhadora ou a Susaninha frívola e egoísta eram afinal o nosso retrato e o retrato das nossas visões do mundo. Ao tipificarem-no, ajudavam-nos a compreendê-lo.

Um dia decidi decorar o meu quarto de adolescente com uma tira da Mafalda. Hesitei entre muitas. Mas houve uma que servia de programa para as minhas perplexidades perante o mundo dos adultos que se me abria. Aquela em que Gui pergunta pelo papá, Mafalda responde que está a trabalhar, o pequeno irmão insiste no porquê dessa necessidade, Mafalda diz que é assim que o mundo está organizado e, após mais sonoro porquê, Mafalda desabafa dizendo: “Só um ano e meio e já candidato ao gás lacrimogéneo”.

Na adolescência, como agora, os porquês multiplicavam-se e as respostas não chegavam. Mafalda ajudava-nos a transitar entre essa contradição. No caminho, reflectíamos, riamos e absorvíamos as suas mensagens expressas ou subliminares. Quino teve essa influência sobre muitos de nós.

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