Ambiente: Brasil deixa de proteger mangais e restingas em nome do Turismo

O Governo de Jair Bolsonaro revogou as normas que protegiam 1,6 milhões de hectares de floresta de mangues e outros ecossistemas costeiros frágeis, fundamentais para o combate às alterações climáticas. Associações ambientalistas denunciam “crime contra a sociedade”.

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Jair Bolsonaro e o seu ministro do Ambiente, Ricardo Salles Reuters/ADRIANO MACHADO

Eram desde 2002 áreas de preservação permanente nas proximidades do litoral brasileiro, mas já se conhecia a ameaça de abrir caminho aos empresários que ali desejem construir. A decisão foi tomada pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), liderado pelo ministro do Meio Ambiente do Brasil, Ricardo Salles. “É um retrocesso sem parâmetros para o país”, afirma Malu Ribeiro, responsável das questões da Água da organização não-governamental SOS Mata Atlântica, citada pela edição brasileira do jornal El País.

O Conama deveria estar a ampliar a área de protecção dos biomas, não a diminuí-la, como quer o ministro do Ambiente, sublinha a activista.

Na reunião desta segunda-feira, os 23 conselheiros que integram o Conselho revogaram as resoluções 302 e 303 do Conama, que estabeleciam normas como a protecção de uma faixa mínima de 300 metros de restingas (pequenos matagais formados por depósitos arenosos, incluindo dunas) e dos mangais (áreas de floresta alagadas), assim como de faixas em redor de mananciais urbanos e outros reservatórios de água. A partir de agora, será possível, por exemplo, a construção de hotéis de luxo em zonas de mangues.

“Ao mesmo tempo que assistimos a uma devastação ambiental recorde e quando o Brasil está em chamas, Salles dedica o seu tempo a promover ainda mais destruição”, reagiu num comunicado a organização Greenpeace. “Estas áreas já estão sob intensa pressão de desenvolvimento imobiliário”, disse à AFP Mario Mantovani, coordenador geral da SOS Mata Atlântica. “As regulações de 2002 pelo menos protegiam-nas de destruição adicional”, afirma o geógrafo que descreve esta decisão como “um crime contra a sociedade”.

Os mangais, um ecossistema próprio das regiões tropicais e subtropicais que serve de transição entre os rios e o oceano, são uma importante protecção natural contra as alterações climáticas: cada hectare de floresta de mangues absorve quase a mesma quantidade dióxido de carbono que um hectare de floresta tropical da Amazónia.

As normas revogadas pelo ministro Salles protegiam 1,6 milhões de hectares de floresta de mangues e outros ecossistemas costeiros frágeis, de acordo com o cálculo realizado pela iniciativa Mapbiomas Brasil a pedido do El País.

Para além das duas resoluções sobre restingas e mangais, os conselheiros revogaram também uma terceira resolução, a 284, que obrigava qualquer projecto de empreendimento de irrigação a ser submetido a um licenciamento ambiental. Para completar o rol de más notícias, a reunião serviu ainda para aprovar a entrada em vigor de uma resolução para permitir e regulamentar a queima de diversos tipos de resíduos agro-tóxicos em fornos de produção de cimento.

Regime de urgência

A votação aconteceu por proposta urgente do Governo. A favor votaram os representantes fixos do Governo federal, o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente dos Recursos Renováveis, Eduardo Bim, bem como parte dos representantes dos estados e dos municípios. Contra votaram as duas ONG presentes – o Instituto Internacional de Pesquisa e Responsabilidade Socioambiental Chico Mendes e a Associação Novo Encanto de Desenvolvimento Ecológico, que tentou, sem sucesso, adiar a votação.

Já a representante do Ministério Público Federal, a procuradora Fátima de Souza Borghi, que não tem direito a voto, garantiu que a justiça será accionada contra estas revogações, defendendo que o Conama não podia ter avaliado a legalidade das resoluções em regime de urgência e sem maior discussão e análise. “É tudo inconstitucional o que está acontecendo aqui”, disse a procuradora, citada pela Agência Brasil.

Desvalorizar e apontar dedos

Estas decisões sucedem-se a semanas de fortes incêndios que têm dizimado a região do Pantanal e a Amazónia, com o Governo de Jair Bolsonaro a reagir tarde e mal e com o próprio Presidente a intercalar declarações em que desvaloriza os fogos com outras em que responsabiliza os índios, como fez no discurso de abertura da 75.ª Assembleia Geral das Nações Unidas ou ataca os países que o criticam.

Os incêndios no Pantanal põem em causa não só a fauna e a flora única deste bioma – a região abriga 1200 espécies de animais vertebrados, incluindo 36 que estão ameaçadas – como a própria sobrevivência dos povos indígenas locais.

Salles, o ministro que há um ano, perante um derramamento de petróleo sem precedentes no Brasil, sugeriu que a Greenpeace poderia ter estado envolvida, tem defendido o fim de medidas de protecção ambiental, que, na sua opinião, atrapalham a vida dos empresários. Numa reunião ministerial de 22 de Abril, cujo vídeo foi revelado pelo Supremo Tribunal Federal, o ministro defendera que a atenção dada pela imprensa à pandemia era “uma oportunidade” para avançar com a “desregulamentação”. O momento, disse, é de “ir passando a boiada”.

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