Um bilhete de espectáculo ou um bilhete de saída?

Diria que por cá a Cultura é escassa. Escasseiam as orquestras e por consequência escasseiam as oportunidades de captação de muitos dos jovens talentos.

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PAULO PIMENTA

Se de uma obra de arte se tratasse, no que à Cultura diz respeito, o Orçamento de Estado (OE) 2020 seria uma tela cheia de nada. De um total de 339,3 milhões de euros das receitas gerais adjudicadas ao Programa Orçamental da Cultura, mais de 57% correspondem à parcela da Comunicação Social e Contribuição Audiovisual sendo, esta última, única e exclusivamente, afecta à RTP.

A comunicação social pública, que passou para a esfera do Ministério da Cultura no anterior Governo constitucional e, tal como sabemos, pouco ligada é à cultura, vê o seu financiamento ultrapassar o valor daquele que deveria ser o principal foco deste Ministério: “incentivo à criação artística e à difusão cultural, na qualidade de tecido cultural e na internacionalização da cultura e língua portuguesa”, tal como bem descreve o relatório do OE 2020.

A parte da internacionalização da cultura não deixa de todo de ser verdade — temos, actualmente, músicos portugueses espalhados por diferentes palcos do mundo, ocupando lugares de destaque em muitas das orquestras mais conceituadas do mundo artístico, levando o nome do nosso país além-fronteiras.

Este reconhecimento comprova, em muitos destes casos de sucesso, a elevada qualidade do ensino artístico praticado em Portugal, começando pelas academias e conservatórios e estendendo este reconhecimento às nossas universidades que, ao longo da sua história, têm formado músicos de enorme relevo nacional e internacional. Será este o incentivo à internacionalização pretendido? A emigração do talento nacional? A prioridade deveria ser, não só no âmbito cultural, mas extensível a todas as áreas, a criação oportunidades de retenção para todos os que cá queiram ficar.

A ideia de vivermos cada vez menos sem fronteiras e toda a internacionalização favorecida pela adesão ao espaço Schengen em 1995 promoveu uma nova geração de jovens que emigram, em muitos dos casos, não como única opção, mas sim imbuídos de espírito aventureiro, desafiando as próprias zona de conforto e procurando o crescimento pessoal e profissional que tais experiências acarretam. Circunstâncias estas muito diferentes das que originaram a emigração massiva verificada entre os anos 60 e 80. A grave crise económica que se vivia à data e originada, entre outras causas, pelo movimento ditatorial implantando em Portugal, atingiu gerações que sem outra alternativa à pobreza se viram obrigadas a partir em busca de melhores condições de vida. Portugal assiste, desde os anos 80, a uma transformação da sua realidade migratória.

E no mundo artístico, existem verdadeiras alternativas à emigração? Mas afinal como é tratada a Cultura e a sua classe de profissionais?

Diria que por cá a Cultura é escassa. Escasseiam as orquestras e por consequência escasseiam as oportunidades de captação de muitos dos jovens talentos. Escasseia o incentivo da educação para a cultura com a redução das vagas do ensino artístico e, por consequência, uma redução nas oportunidades de emprego para os profissionais de ensino. Escasseiam os apoios e incentivos de adesão às salas de espectáculo, limitando o público-alvo e transformando muitos dos concertos das poucas orquestras em eventos elitistas. Escasseiam os espectáculos, especialmente fora dos grandes centros.  

Mas centremo-nos na solução: a educação para a cultura. O ensino artístico, estando sob tutela do Ministério da Educação, assistiu a uma redução drástica no número de vagas disponíveis em algumas das escolas especializadas no ensino da música e dança, comprometendo a importância que as futuras gerações darão à vertente cultural que tanta falta faz na nossa sociedade.

A saúde da Cultura em Portugal, aliada à leviandade com que é tratada, remete-me a uma frase de José Eugênio Soares, com a qual termino este artigo: “O maior inimigo de um governo é um povo culto”.

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