Trump e a ruína moral da América

Se não há tributação sem representação, como reclamaram os colonos revoltados na América em vésperas da Declaração de Independência, o contrário também se aplica: que moral tem Trump para ser eleito, quando faz tudo para escapar aos impostos?

Richard Nixon legou à história contemporânea uma interminável série de mentiras sobre a guerra do Vietname, deixou um colossal compêndio de manipulações e golpes de bastidores que culminaram no Watergate, que o forçou a deixar a presidência. Mas, apesar do seu rasto infame na Casa Branca, quando foi forçado pela imprensa a clarificar a sua situação fiscal, não teve alternativa e, antes de mostrar a sua ficha de impostos, declarou: “A confidencialidade das minhas finanças pessoais é muito menos importante para mim do que a confiança do povo americano na integridade do Presidente.” Na América dos anos 70 do século passado havia limites éticos e um código de valores republicano que até o mais facínora dos presidentes sabia ser impossível ultrapassar. Hoje, essa América está moribunda e é esse quase necrotério ético que permite Donald Trump vegetar.

A revelação do labirinto fiscal no qual o Presidente se tem escondido importa e não apenas para os norte-americanos. Importa, porque expõe a corrupção moral que alimenta os populistas e seus derivados. Importa, porque nos aponta para uma solução de poder na qual não conta a decência, a verdade, o sentido de serviço público, a honra ou a vergonha pessoal. Trump é o primeiro Presidente em décadas a esconder a sua história fiscal e, ficámos a saber pela extraordinária investigação jornalística do New York Times (a confirmar uma vez mais que o bom jornalismo é indispensável à democracia), esconde-a pela sua putrefacção. Da evasão fiscal às dívidas astronómicas que desfazem a sua aura de herói americano rico e poderoso, dos conflitos de interesse de alguns dos seus negócios à vulnerabilidade externa que as suas dívidas causam à Presidência, o que está em causa é uma série de revelações que expõem a ruína moral da América através do seu mais alto magistrado.

Que Trump mente compulsivamente, que decide de forma errática e sem o rumo que distingue os líderes, que despreza as heranças democráticas que tornaram os EUA num dos faróis da liberdade já sabíamos. Que todos esses defeitos tinham sido até agora insuficientes para pôr a nu a sua vileza e a sua incompetência também o sabíamos. A história dos impostos vai muito para lá desse conhecimento acumulado – porque prova que Trump nem sequer é capaz de respeitar a regra básica de uma sociedade civilizada, que associa os impostos à cidadania e ao sentido de comunidade. Se não há tributação sem representação, como reclamaram os colonos revoltados na América em vésperas da Declaração de Independência, o contrário também se aplica: que moral tem Trump para ser eleito, quando faz tudo para escapar aos impostos?

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