General condenado a seis anos de prisão efectiva por corrupção nas messes da Força Aérea

Esquema de corrupção nas messes da Força Aérea levou à condenação de 23 militares e de 14 empresários. Firmas às quais militares continuam a entregar negócio ficaram proibidas de fornecer o Estado durante quatro anos. Erário público foi lesado em 1,7 milhões.

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Rui Gaudêncio

É uma punição vista como inédita: um general e várias outras altas patentes foram esta sexta-feira condenados a cadeia efectiva por envolvimento num esquema de corrupção existente há décadas nas messes da Força Aérea Portuguesa.

Em conluio com os fornecedores de géneros das cantinas, envolveram-se num esquema de sobrefacturação de bens alimentares e matérias-primas, que chegavam às bases aéreas em quantidades muito inferiores às que eram pagas pela Força Aérea. O lucro resultante desta prática criminosa era depois dividido com os empresários que forneciam as bases. Os militares eram pagos em dinheiro colocado em envelopes, recebendo consoante a patente. Ao general, por exemplo, seriam pagos 1500 euros mensais.

Os juízes concluíram que o Estado foi lesado em 1,755 milhões de euros entre 2011 e 2016, período a que se cingiu a investigação. No processo, que ficou conhecido como Operação Zeus, foram sentenciados pelo Tribunal de Sintra 14 empresários e um total de 23 homens de praticamente todas as bases aéreas do país. Além das altas patentes, também participavam no esquema vários sargentos.

Ao contrário do general, que já se encontra na reserva, vários dos militares continuam ao serviço. Contactado pelo PÚBLICO, o porta-voz deste ramo das Forças Armadas não soube dizer se assim continuarão. Apesar de muitos deles terem ficado, por decisão dos juízes, inibidos de prestar funções públicas durante alguns anos, um eventual recurso judicial da sua parte pode vir a adiar ou mesmo a revogar essa punição acessória. Numa decisão igualmente pouco habitual, os magistrados resolveram proibir três das empresas que condenaram de fornecer o Estado durante quatro anos. Em causa estão a Doce Cabaz, a Pac e Bom e a Chavibom. As duas últimas, às quais foram ainda aplicadas pesadas multas, têm entre os seus clientes forças de segurança, como a PSP e a GNR, e vários estabelecimentos de ensino. Nas Força Aérea o Tribunal de Sintra disse que tinham quase o monopólio de abastecimento das messes.

Por estranho que pareça, tanto este ramo das Forças Armadas como outras entidades militares continuaram, já depois de o esquema de corrupção ter sido exposto publicamente, a assinar contratos com as firmas em causa. Não só através de concursos públicos – dos quais não as podiam afastar antes de serem definitivamente condenadas em tribunal -, mas também de outros procedimentos, como ajustes directos e consultas prévias. Ainda em Maio passado a Força Aérea comprou 6500 euros de géneros alimentares à Pac e Bom sem concurso público. “Não havia qualquer controlo dos fornecedores das bases. Era tudo feito um pouco levianamente”, concluíram os juízes.

Fundamental para descobrir o que se estava a passar foi a actuação de um tenente que funcionou como agente infiltrado na base de Monte Real. Ao longo de mais de um ano, recebeu envelopes com dinheiro dos fornecedores – mais de 40 mil euros –, que fotografou, e gravou conversas comprometedoras. “Se não fosse a sua actuação se calhar este processo não tinha sido julgado”, observou a magistrada que presidiu aos trabalhos.

Houve militares que acabaram por confessar tudo, e que viram estas denúncias agora recompensadas com penas suspensas. Mas não foi o caso das altas patentes: nas palavras dos juízes, tanto o general Milhais de Carvalho como o tenente-coronel Alcides Fernandes e o coronel Jorge Lima mostraram hostilidade e até soberba para com os colegas arrependidos, numa tentativa de os amesquinhar. Nunca terem admitido os crimes cometidos valeu-lhes penas efectivas entre cinco anos e meio e seis anos de prisão.

Mas não foram os únicos a não demonstrar arrependimento: o mesmo sucedeu com um dos fornecedores, Paulo Lobato da Silva, dono da Pac e Bom e da Chavibom, que justificou estas práticas por já virem do tempo do seu pai. Foram-lhe aplicados quatro anos de prisão, também sem direito a pena suspensa. Além de corrupção activa agravada, foi condenado por falsificação de documentos.

Quanto aos militares, a sentença sublinha ser particularmente grave terem violado os seus deveres de lealdade, honestidade e zelo. Embora o tenham feito na maioria das vezes a troco de dinheiro, num ou noutro caso acabaram por ser pagos em géneros alimentares. “Mercadejaram os cargos que ocupavam em função dos seus interesses económicos, com manifesto prejuízo para o erário público”, refere a sentença, recordando que muitos deles tinham recebido louvores e condecorações pelo seu desempenho.

A Força Aérea também não explica o que poderá acontecer agora a nível disciplinar a Milhais de Carvalho e restantes colegas condenados, e se a expulsão deste ramo das Forças Armadas é um cenário possível.

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